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Das muitas coisas que se faz quando se demora a mijar

Eu largara a vida de escritor pela de conselheiro.

Aconselhava jovens em busca de fama, fortuna e fodas para ajeitar o texto e arrendondar o conteúdo.

É claro, a maioria era lixo sem chance, mas o que importava era a grana que me pagavam, não minha sinceridade de análise.

Teve o cara que me mandou o soneto do cão falecido, que começava com a emblemática estrofe: Oh... au-au cãozinho!

Outro falava sobre as diferenças de sabores dos fluidos vaginais. O cara era um gênio, conseguia pelo gosto distinguir qualquer coisa numa mulher. Dizia que o paladar masculino em geral detectava apenas três sabores: mulher normal, mulher menstruada e outros.

Ele não. Já havia detectado e catalogado mais de duzentos tipos de sabores e aromas diferentes. Se gabava de acertar com mais precisão os testes de gonorréia do que os exames clínicos. Segundo ele um certo gosto deixava a marca inconfundível da doença. Bem diferente da sífilis, que era mais ácida, mas mais suave.

O fato é que eu era um farsante que vivia apenas da renda que as pessoas me pagavam para ler o lixo que escreviam, crentes de que eu tinha contatos com editores e podia lhes lançar ao mundo da fama. Mundo esse que, por sua vez, lhes renderia dividendos na forma de bucetas por hora. Mundo esse que lhes renderia o paraíso em forma de vulva.

Mas, o problema era, eles estavam errados. E eu sabia disso. Podia não entender nada de paladar. Podia não entender nada de vulvas. Podia não entender nada de mulheres. Podia não entender nada de literatura. Mas uma coisa eu sabia: eu era uma farsa.

Parece estranho, mas sempre que eu lia um novo poema ou conto que me enviavam, eu lembrava de meu avô.

Ele, talvez, tenha sido uma das figuras mais importantes em minha vida, embora eu só tenha percebido tarde demais. Ele dirigira o Zepellin quando este estivera no Brasil. Ele fora perseguido por espiões na época da guerra. Ele virava doses de bebidas com meus colegas adolescentes. E ao contrário de meus colegas adolescentes, mantivera-se macho até a morte.

Era, de fato, o herói de minha infância. E embora não tenha servido para me situar quanto às mulheres no mundo, pois gente antiga raramente falava sobre isso, deixou-me tristezas bem maiores que essas.

Morreu num pacato domingo, à beira da praia, enquanto uma enfermeira fazia nele um derradeiro boquete. Ela começou enquanto ele estava vivo, mas desconfio que mesmo quando esporrou ele já estava pra lá de morto. Apenas reflexos corporais pré-programados.

Por que eu falo isso? Não, não fugi do tema. Outro dia um escritor me mandou sua obra-prima, que versava sobre os valores sexuais da terceira idade.

Ora, qualquer um que já tenha usado o pau um dia sabe quais são esses valores. E uma vulva sessentona, apesar de caída, está mais que apta para a satisfação cosmológica final, ou qual seja o nome que vocês queiram dar à coisa.

E apesar de nós homens dos anos noventa sermos mais versáteis. Nem sempre temos a experiência dos anciões. Os homens do noventa se viram, trocam de pênis, gritam para ganhar forças, mas tudo isso não só não os põe no mesmo nível, como os rebaixa, comparado aos homens de antanho. Os homens anteriores aos anos sessenta é que sabiam fuder. Não a elite, é claro, que sempre foi estéril. Falo dos homens comuns. Aqueles que cheiram a cavalo, Aqueles que cheiram à gordura de lanchonete. Aqueles que têm cheiro de bichos selvagens

E quer queira, quer não queira, muitas vezes um homem se excita. Alguns se excitam com uma cadela no cio. Outros se excitam com o pôr-do-sol, outros com blasfêmias religiosas, outros com palavras chulas, outros com o simples contemplar de mulheres, outros com o simples contemplar de curvas femininas e outros ainda, com sua própria existência. Mas quando se começa a mijar, nada disso importa. Apenas a contração e o milagroso jorro.

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