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Dores da velhice como soluço incurável

Era uma daquelas pessoas desprezíveis, sabe? Ninguém sabe precisar exatamente porque, bastava se aproximar e sentir a náusea que aquela presença causava.

Ele, a presença, se considerava, no entanto, a perfeição sobre a terra. Achava que seria aclamado pela população como maior escritor da terra, e batalhava por isso dia e noite.

Encontrei-o por acaso. Eu já não ia mais ao bar da Gangue, onde todo mundo costumava se encontrar, estava em casa, tranqüilo, cuidando de meu herdeiro Falocius. Um dia tive que ir no supermercado. E na volta do supermercado tive que parar num buteco, eu simplesmente precisava beber.

A dona, simpática senhora de nariz vermelho, guardou minhas compras atrás do balcão. O escritor local dom Alephito estava lá e desafiei-o para uma partida de sinuca.

As bolas pareciam rolar maciamente naquela noite. A partida virou uma rodada de onze partidas, quem ganhasse seis levava um litro de cachaça. Eu já havia bebido muito, e isso dificultava a concentração. Quando eu estava à beira da última caçapa uma ninfa me apareceu:

--- ANACREONTE!!!!

Tentei me concentrar. Por nada desse mundo eu podia perder esta bola.

--- ANACREONTE!!!! Venha comigo e eu te levarei ao paraíso da ninfas selvagens!!!!!

Me concentrei ainda mais. Não sei como nem daonde, mas sempre que eu estava na última bola essa porra de ninfa aparecia. Mas hoje a bola era minha.

Encaçapei todas naquela noite. Os bêbados que lá estavam me elegeram rei da noite, e isso era mais que motivo para deixar qualquer um feliz. Peguei todo dinheiro do bolso e paguei cerveja pra todos, o que deu um pouco mais de um copo pra cada um.

Dom Agapito estava lá. Ele me dizia, você tem que me passar teus contos. Ele era meu editor e sempre aparecia para me cobrar quando eu estava bêbado. Nunca descobri se ele realmente existia ou era alucinação minha.

Fui no banheiro urinar. Um corcunda cego gritava lá dentro, chamando todo mundo. Na rua os automóveis tinham sido substituídos por girafas que zanzavam a mil. No fundo do copo um resto de licor tentava me convencer a mergulhar na privada. Eu precisava cair fora.

Eu decidi sair, e foi então que encontrei ele, o escritor medíocre. A náusea me contaminou instantaneamente. O nojo me percorreu e logo vomitei em seus pés, e calça. O último conto que ele escrevera era um canto de amor à uma ponte velha e enferrujada, prestes a cair.

O mundo mudava rapidamente e não havia lugar para mim. Eu estava derrotado. Eu sabia, de alguma forma, que embora vencesse todas as partidas da sinuca, eu era um estranho. E para um estranho nada era ofertado, oferecido. Tudo que os caipiras nativos esperavam era que eu pegasse uma mulher da região e depois sumisse com ela. Qualquer coisa, desde que eu me fosse.

Mas eu bati o pé e ali instalei uma casa, e vivi uma vida, e freqüentei aquele bar todos os dias até que todas as gerações anteriores à minha estivessem mortas.

Eu havia triunfado sobre todos eles, os panacas da sinuca, eu os vencera. Meu filho tinha então quarenta anos e, por ocasião de sua visita, me dissera, "Você é mesmo patético".

Concordei com ele assentindo com a cabeça e ostentando o sorriso que só os muito velhos podem ter. Então ele se foi, junto com todo o resto. E continuei lá em minha cadeira de balanço, balançando e sorrindo, balançando e sorrindo, balançado e sorrindo, para sempre, todo o sempre.


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