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A gênese do um fracasso ser

Uma coisa me frustra, confesso. Por mais que tentemos fugir, ainda assim somos quase sempre vítimas, presas de nosso próprio tempo. A única coisa que o estudo nos dá é um pouco mais de liberdade, um pouco mais de visão e aceitação das coisas de formas diferente das quais são elas normalmente vistas.

Digo isso porque eu, desde pequeno, embora nem internet tivesse ainda, já fui um dos pioneiros do sexo virtual. Ah, sim. Eu nem me masturbava ainda, mas sem perceber já me iniciava numa das principais técnicas da arte masturbatória, que é a capacidade de imaginar e sentir uma falsa realidade à sua volta. Sim, me lembro que sentava diante da tevê e ficava imaginando todas as belas moças do comerciais e filmes importados sorrindo pra mim e agindo comigo como se estivessem comigo falando na hora em que fizeram o filme. Isso, é claro, não ocorreu gratuitamente, afinal fui cria da geração que assistia diariamente as pernas da xuxa desfilando em suculentas mini saias entre um desenho e outro. Ela, e posteriormente suas paquitas e a angélica, eram pré-fantasias sexuais, uma vez que a coisa em si não era ainda concebida na cabeça infantil.

Chegou a adolescência, com ela implícitos todo o conhecimento e a prática do sexo. Foi quando comecei a prestar atenção nas jornalistas, estendo meu leque de opções televisivas. Nossa, quantas horas de prazer não proporcionava o noticiário noturno com Lilian.

Estava fadado ao fracasso. Minha atividade masturbatória se tornava tão intensa que começava já a roubar o espaço de outras formas de relação. Foi numa viagem em que conheci a bela Madalena, que do alto de sua dignidade de mulher casada de trinta e sete anos, se ofereceu prontamente a me masturbar, e isso em pleno ônibus de linha São Paulo - Floripa. Éééé, era realmente muito simpática Madalena, a loira de mãos ásperas, mas isso já mostrava o indício do mal que viria a sofrer depois.

Casei-me. Veio o casamento e com ele todos os prejuízos que ele poderia trazer ao culto a Onã. A mulher cobrava-me, todos os dias, a plena satisfação de suas necessidades. E pude comparar o real e o imaginário, sempre pesando os prós e contras de cada. Mas, verdade seja dita, assim como me era impossível viver sem a coisa real, a mulher de carne, osso, odores, músculo, pele, gemidos e sussuros, não podia viver também sem os momentos de dispersão e alívio causados por uma boa punheta.

Ela me perguntou um dia se eu tocava alguma coisa. "Punheta", pensei eu, mas a pergunta era sobre instrumento no ar, embora tivesse um tom estranho que pairava no ar e me levou a crer que ela desconfiava de algo.

Tornei-me mais discreto, sorrateiro. Chegava em casa cansado, cumpria minhas obrigações sexuais, para só depois, garantindo que ela estivesse dormindo, poder me masturbar.

Piorou mais ainda, quando surgiu Alice em cena. Alice, universitária, tinha aparentemente uma tesão especial por desempregados. Eu, que vivia às custas da minha mulher, não podia me dar ao luxo de embarcar assim numa aventura, arriscando perder o que tinha. Como me tornaria um escritor, se não tivesse uma buceta que me sustentasse enquanto eu escrevia?

Mas Alice era uma coisinha linda e, mais do que isso, sabia ser discreta. Todo dia, às duas e meia em ponto, ela ia lá pra casa para fudermos. Jana, minha mulher, chegava casa as seis horas, quando Alice já tinha saído, e eu saía logo em seguida. Dizia a ela que estava procurando emprego de vigia noturno e ia pro bar, onde ficava bebendo até as dez. Ela, é claro, sabia que eu estava mentindo, e eu sabia que ela sabia que eu estava mentindo, mas, nos amávamos, de forma que ela nunca levantou uma dúvida sobre isso e fingia que não via.

Quanto a mim, é claro, vivia trancado em meu mundo, crendo que todas as respostas da vida se resumiam a meu falo, enquanto ele ficasse de pé e saciasse Jana, eu estava salvo. Só depois, é claro, que levei um pé na bunda dela, é que pude perceber que ela, ao menos em algum momento, gostara muito mesmo de mim, mais até que do meu pau. Talvez.

Os problemas começaram a surgir quando Alice apareceu grávida. Eu já estava, a essa altura, tomando tudo quanto é fortificante para poder agüentar duas mulheres e mais meu culto a Onã, mas minha produção literária continuava. Não que tivesse alguma qualidade, em verdade metade dela eram apenas poemetos eróticos cuja venda me rendia alguma grana pra cerveja. Nos dias de festa, tomava uísque, ou gim-tônica.

Mas Alice, apesar de extremamente experimentada na vida, acabou engravidando, não sabendo se era o filho meu, do namorado dela, ou de um professor a quem tivera que dar para obter boa nota. Alice era, de fato, muito romântica, muito sincera e impulsiva, talvez por isso tenha acabo acontecendo isso.

A solução, para mim, era óbvia: ninguém tocava no assunto e o namorado dela que assumisse e criasse a criança sem saber de nada. Mas Alice simplesmente não aceitava, fazia questão de que o filho tivesse o pai legítimo. Fiz os exames. Aquela conversa de filho me deixava nervoso, e aos poucos fui parando de comer Alice, Jana e, por fim, nem sequer me masturbava mais. Comecei a beber.

Não que eu já não bebesse antes, ou sequer tivesse parado, não me leve a mal, é apenas uma frase de efeito para animar o conto. Bebia incessantemente e, quando me dei conta, Jana já não queria mais saber de mim, e logo começou a pensar no divórcio.

Por fim a notícia: o pequeno bastardo que crescia dentro de Alice não podia ser filho meu, o mero exame de sangue revelara isso, mas Alice demorara tanto tempo para me informar por algum motivo que posteriormente não consegui descobri. De qualquer forma, já estava dormindo na sala, sem comer mais minha mulherzinha, nem ter minha amante por perto.

Um dia Jana acordou, uma daquelas sede que bate no meio da noite, e foi até a cozinha beber algo. No meio do caminho, ouviu ruídos. Chegou perto em silêncio e viu a cena: com uma faca eu fizera um furo no sofá onde dormia, e toda noite, mais para pegar no sono, comia eu o sofá. A almofada do sofá, para ser mais preciso.

Aquilo foi o derradeiro fim. Chutado, saí vagando sem rumo. Decidia num instante estudar italiano e virar cantor de ópera. Em seguida decidia ser contrabandista de armas. Puto eu já fora durante todo o casamento, de forma que agora queria tentar a sorte em outra profissão. Em plena Lauro Linhares, na Trindade, encontrei um mendigo que vagava pelas marquises de casa e de restaurante, morando cada vez num lugar diferente. O grande lance era o restaurante cachorrão: fechava cedo, às dez da noite, e só abria às oito da manhã seguinte. Quem chegasse primeiro garantia seu lugar quentinho e seguro.

Mas não me conformei. Mendigo era um destino muito duro, de forma que decidi virar assaltante. E o melhor, pra começar, assaltaria minha ex-mulher. Não deu certo, é claro, pois afinal ela já tinha trocado a chave da porta. De qualquer forma, pelo menos três vizinhos me viram entrar no prédio, de forma que se tivesse o roubo funcionado, não teria sido nada bom.

Comprei um revólver. No prédio ao lado morava uma jovem loura lindíssima, que eu sempre quisera comer, mas sabia que não teria sucesso nunca. Fiz tocaia. Esperei até ter certeza que ela esteva sozinha em casa, e que já estivesse anoitecido o suficiente para a rua estar calma, com poucas testemunhas. Forcei a entrada na porta do prédio, que era vagabunda, subi até o 313 e toquei a campainha.

Abriu a porta. Sem ao menos perguntar quem era ou espiar pelo olho mágico, ó bela e pacata Florianópolis. Mostrei a arma e ordenei-lhe que não berrasse. Ela obedeceu, calma.

Quando entrei e fechei a porta, ela começou a falar, pausadamente:

--- Você vai me estuprar?

--- Não, não vou não, não se preocupe, ninguém se machucará!

--- Sabe, eu sei que você pretende me estuprar, eu sei como acontecem essas coisas.

--- Não moça, eu quero dinheiro, só dinheiro, é só isso!

Eu estava nervoso. Muito nervoso, como um adolescente pego se masturbando no banheiro de um colégio de freiras. A aparente calma daquela que devia ser a vítima só aumentava meu nervosismo, minha camisa encharcada já de suor.

--- Sabe, não deve ser tão ruim assim...

--- O quê???

--- Ser estuprada. Sabe, sou virgem ainda.

Aquilo não podia estar acontecendo, precisava pegar o dinheiro logo e dar o fora, antes que algo muito ruim acontecesse.

--- Olha, me anjou, cê tá nervosa e tá falando bobagem. Ser estuprada deve ser algo muito ruim sim e nenhum de nós vai passar por isso hoje, agora... agora...

Fiquei sem fala, olhando embasbacado enquanto aquela linda loira se deitava no chão e começava a tirar a roupa. Era perfeita, simplesmente perfeita. Era a mulher que eu sempre desejara na vida e agora o destino vinha com essa pra cima de mim. Algo não ia bem, não ia bem mesmo. Eu precisava dar um jeito de controlar minha ereção e cair fora dali o mais rápido possível.

--- Ó, meu bem, menina, não faz isso, aqui... aqui, olha pega tua roupa, veste tua roupa de novo, eu tô indo embora, ok?

Peguei na mão a saia cheirosa que ela acabar de tirar e jogar no chão perto de mim e empurrei a ela. A saia pendia na mão esquerda, o revólver na direita e os olhos balançavam-se frenéticos e soltos, tomados por uma vida própria, percorrendo com alegria e velocidade todo o corpo daquele mulherão, como se fosse possível memorizar cada segunda, cada momento, cada instante para uma posterior reutilização.

Ela me puxou com um braço e me beijou com força. Tirou a arma da minha mão e disse:

--- Agora eu dou as ordens, pro chão! Isso pro chão, já, e vai tirando as roupas.

Entrei em pânico. Completo e total pânico. Como eu pudera ser tão burro a ponto de deixar tomarem-me a arma das mãos. Estava fudido agora, estava perdido. Ela, com certeza, iria chamar a polícia. Mas pior, algo ia muito mal. A mulher era completamente louca, e uma vez que me mandava tirar a roupa, comecei a temer pela minha integridade física.

--- Agora uma ereção! Anda, vamos lá, quero ver! Põe esse troço de pé logo duma vez, anda! Anda maldito!

Nunca pensei que fosse possível uma ereção em meio a tamanho medo. Tentei relaxar, pensar no Himalaia, num lago calmo, qualquer coisa que me auxiliasse. Ela baixou a calcinha e começou a gemer e se masturbar em cima de mim, o que gerou um efeito quase que imediato.

Transamos. Transamos desesperadamente, e nunca na vida achei que se pudesse ter tanto medo e ainda assim tanto prazer ao mesmo tempo. Depois fomos pro quarto e transamos de novo.

Por fim ela me fez prometer que não fugiria e, só então, guardou a arma. E é por isso que hoje vivo aqui, preso neste apartamento. Me masturbo de dia e, à noite, ela traz comida e me obriga, bem, nem tanto, a fudê-la de qualquer jeito que ela queira. De madrugada, enquanto ela dorme, escrevo meus versos, que de dia, ao sair pro trabalho ela manda pras editoras pra tentar publicar. Nunca mais vi a luz do dia, mas juro, caros leitores, que tampouco tenho pensado em fugir.


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