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O pó da estrada

Hoje eu conheci o pó. Descobri o pó. Tão simples e poeirento. Não sei como nunca havia reparado antes, mas a coisa toda era muito simples, havia dois tipos de seres: os seres humanos, frios, insensíveis, arrogantes e ambiciosos e os quase humanos, a raça de asquerosos relegada ao pó, à poeira, à lama. Eu, é claro, sempre pertenci ao segundo tipo, uma vez que sempre teimei em acreditar na capacidade de emancipação, libertação e alegria.

Minha ex-mulher me encontrou hoje. Disse que fazia questão de me encontrar, precisava me apresentar sua nova presa, isto é, marido. Eu recusei é claro, mas ela insistiu muito que não, que eu devia vê-lo, que eu ia gostar dele porque ele era legal.

Legal. Esse foi o adjetivo que ela usou: legal. Prometi que ia, disposto a quebrar a promessa sem pensar duas vezes. Mas confesso que o adjetivo acabou me seduzindo. Legal? É, eu fora trocado por um cara legal. Não sei se ele a amava, ou ela amava ele, se ele era gentil, se era inteligente, se a tratava bem, se se preocupava com ela. Não, nada, nada disso. Nada dessas coisas fúteis que sempre ocuparam minha cabeça eram importantes, o que só provava que de mulheres eu não entendia realmente nada.

E a mim, ser das lamas, afogado na ressaca, que veio depois do porre, que veio depois da crise depressiva de um mês, que veio depois de eu ter descoberto que não me era possível participar do mundo das pessoas normais que falavam de futebol, corrida de carro e roupas da moda, que veio depois de ter sido chutado pela mulher; a mim, foi lançado o raio piedoso e zombeteiro de luz, me convidando para ir encontrar um casal de pessoas normais num bar normal porque, afinal de contas, o cara era legal.

Cheguei, sentei, cumprimentei-os. Ri na hora certa, disse sim e não nas horas certas, fiz perguntas nas horas certas. Salientei quando já quase íamos que o cara era legal, o que pareceu deixá-los contentes.

Ele pagou a conta, um cara legal normal, e nos levantamos. Não, não foi o álcool, foi o fruto de dez anos lutando contra um governo sacana de filho da putas, que alimentava um sistema que criava pessoas normais. Só lembro de ter fechado os punhos e esmurrado a cara do sujeito até que por fim os garçons apartassem. Assim que me soltaram virei as costas e dei o fora, não estava nada propenso a passar uma noite na cadeia.

Por isso vim pra casa. Por isso os cigarros que consomem agora meu estômago até o último furo. Por isso a bebida, que turva tudo. Eu pertenço ao pó, ao pó devo voltar.


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