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A vaca amarrada

Puxou com força, preparando-se para a investida final. Arfava a urrava, ensandecido, e não era à toa, afinal, já estava ali há mais de meia hora. Sua companheira, ainda mais exausta, há muito desistira da idéia de fugir ou resistir, uma vez que suas quatro patas estavam amarradas.

Agora mesmo ela quase caíra. Soltara um bafo espavorido e fraquejara nas patas, cambaleando, enquanto uma velha senhora sentada na primeira fila soltava um gemido de emoção. Mas com os socos vigorosos que de tempos em tempos o macaco desfechava no dorso da pobre vaca, mantinha-se ela em pé.

Era realmente um belo dia de sol, e um espetáculo daqueles sempre valia a pena assistir. No campo aberto, de grama tão verde que parecia artificial, cerca de quinze milionários sentavam-se em suas cadeiras de praia, fumando seus charutos e divertindo-se, contando piadas racistas e vangloriando-se de sua superioridade em relação aos pobres camponeses que lhes serviam. De repente, o macaco se exaltava e parecia que ia começar a gozar na vaca. Todos faziam o silêncio mais sepulcral do mundo, olhos concentrados na cena enquanto o último gole da bebida secava no copo.

Aí o macaco desferia de novo um soco na coitada da vaca, a essa altura com a língua de fora. E tudo continuava como antes. A senhora da primeira fila, com um colar cheio de jóias, dizia que nunca divertira-se tanto assim desde o fim da segunda guerra mundial, quando usou a fortuna para comprar metade dos países abalados pela guerra e explorar a população faminta, desesperada por dinheiro e comida.

Um jovem, sentado logo atrás, jogara casualmente por cima do colo um jornal que por ali estava e se masturbava com a cena, lembrando-se que fora exatamente assim que ele e seus amigos tiveram a primeira foda quando moleques. Trancaram uma empregadinha na cozinha, amarraram-na, e se revezaram, até que todos os sete estivessem satisfeitos. Quando seus pais descobriram, despediram a moça e ameaçaram acabar com ela caso ela dissesse algo.

Ao lado dele, estava o grupo dos banqueiros, que representava quase a metade dos milionários ali reunidos. Estavam já caindo de bêbado, de tanto uísque já tomado e riam alto, no que eram censurados pelos outros, que temiam que isso desconcentrasse o macaco.

Na terceira fileira, que era a última, e um pouco na segunda, sentavam-se os nobres. Apesar de que hoje ninguém levava mais isso a sério, faziam sempre questão de ficarem juntos, de preferência no fundo, toda vez que aquele seleto grupo que ali estava se reunia. Carregavam consigo uma maleta, na qual constavam todos os registros históricos e documentos afirmando os títulos adquirido pela família.

A pobre vaca, cercada de moscas que aproveitavam a situação para depositar seus ovos nas feridas ao longo do corpo dela, parecia completamente tonta agora. O macaco, com o pêlo todo desalinhado, fazia milhares de caretas dando a impressão de que finalmente iria gozar. Todos estavam no maior silêncio de expectativa, quando um jovem que tentava a todo custo estar sempre junto com os nobres resolveu falar. O jovem em questão, pretendia ser artista, para isso compensando a falta de talento com o excesso de dinheiro.

A fala em questão, foi uma mera piadinha sutil, sempre tentando puxar o saco dos outros, como sempre, afinal tinham muito dinheiro para lhe dar. Ele disse:

--- Nossa, é incrível. Isso é o mundo!

--- O mundo? --- perguntou espantado um banqueiro.

--- É claro! Veja bem, nós somos a burguesia internacional, afinal, somos os mais ricos do mundo às custas da exploração de todos os povos. Lá, no meio da arena, temos um primata, uma réplica quase idêntica a nós, porém bem mais grotesco, selvagem e menos evoluído, tanto que nós o controlamos e ele só está ali porque queremos. Aquele primata pouco evoluído é as burguesias nacionais dos países que tradicionalmente sempre exploramos, tendo prazer em fuder a vaca ao mesmo tempo em que trabalha para nós. E a vaca, meus caros, essa pobre coitada, espoliada, açoitada, cansada, confusa, desesperada, literalmente fudida, sem saber por quem ou por que, essa vaca, meus amigos, são os povos dos países que exploramos, sendo explorados pela burguesia nacional, tudo isso apenas para nosso deleite e auto-perpetuação. É por isso, e que eles nunca descubram, que o que temos aqui é o mundo!

Os milionários todos entreolharam-se confusos, tentando entender aquele jorro de palavras tão agressivamente verdadeiras, recém-saídas da boca do jovem. O jovem olhou de forma acanhada e embaraçada para o banqueiro mais rico, a quem sempre tentava agradar mais que todos, que logo soltou um estridente gargalhada concordando com o que o jovem dissera. Em seguida, uma vez que o jovem obtivera a autorização para a piada, todos começaram a rir estridentemente e a apontar para a vaca e o macaco, soltando mais piadinhas e comentários maldosos sobre a burrice da vaca e do macaco.

Enquanto isso, o macaco, feroz, irracional, prosseguia em seu trabalho.


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