Retorna ao início
----->contos do fonjic<-----
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998

O que você fez

- O que você fez?

- Eu...

- Marina, o que, o que você fez?

- Eu... eu não sei!

Era tudo um inferno vermelho de sangue. A banheira, as paredes, a pia, tudo coberto pelo sangue culposo. Desatou a chorar, contemplando a navalha na mão.

A tristeza habitual, mais uma dor inefável, invadiu-nos e abracei-a.

- Por que? Por que Marina?

- Me deixa morrer... por favor, me deixa morrer, por favor, me deixa morrer, por fav...

- Shhh. Pára. Pára Marina, não morre.

O sangue grudava entre nós. Vermelho. Tudo vermelho. A culpa, os pecados, o vinho, o sangue, a morte. Tínhamos bebido uísque demais, era isso. Talvez nada daquilo estivesse acontecendo. Não conseguia mais distinguir se aquele sangue era meu ou dela. Abracei e comecei a beijá-la. O sangue era doce. As lágrimas salgadas.

Era isso. Talvez fosse meu aquele sangue todo. Talvez eu que estivesse morrendo. Sim, tinha que ser isso. Eu morria ali, nos braços dela, chorando como criança, enquanto ela e o mundo inteiro achariam que foi ela quem morreu.

Sim. Não. Digo, ela era tudo, era ouro e lama misturados. Ela viveria, era eterna. O sangue que corria entre nossos corpos, inundando o chão da banheira, não era outro senão o meu. O que deveria ser um casal de bêbados tomando banho não era agora outra coisa senão a cena patética de um homem chorando nos braços de sua mulher, enquanto ambos fitavam, impotentes, o sangue que fluía, solto, livre. Livre.

Soltei o suspiro que soltam as almas em agonia. Senti as forças que se esvaíam agora do corpo dela, ou do meu talvez. Senti a tontura, senti a ardência do sangue quando entra no olho. Vi turvar e rubrar-se a visão. Senti a mão da culpa e a tortura do passado. Olhei minha navalha, o fio de sangue e as digitais vermelhas no cabo. E eu nunca usara aquilo, porque afinal eu a tinha comprado? E por que, por que, deixa-la justamente ali, na banheira, onde sempre tomávamos bêbados nosso banho?

Eu tinha nos matado. Sim eu sabia disso desde o primeiro momento e, agora, nada mais restava, nada mais restava, a não ser olhar e contemplar os graciosos mosaicos que, enfim livre, fazia o sangue no chão. E cada vez os cortes aumentavam, cada vez as dores se amenizavam num inferno de vermelha onipresença. Cada vez mais rápido, cada vez mais insano, fluía, fluía o sangue e o mundo, jorrava o sangue que corria cada vez mais e mais solto, mais e mais livre. Finalmente conquistada a redenção. Livres.


----------x----------

Para ler mais deste autor visite também:
http://uretrite.blogspot.com/
http://br.groups.yahoo.com/group/fonjic/

Clique aqui para cadastrar-se e receber contos de fonjic por email
Receba contos de Fonjic por email

Consulte
Spectro Editora
para ler sobre Charles Bukowski