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Apenas outra chance perdida

A vida de escritor não andava fácil. Pra ganhar uns trocados eu me inscrevera como pesquisador num projeto do governo de desenvolvimento de um método de auto-gratificação sexual. Pelo fato de o projeto estar ainda em andamento, o sigilo do assunto me proíbe que eu revele qualquer coisa, por isso me limito a dizer a sigla que nomeava a pesquisa: Proautofelac.

Estava quente. A bolsa de pesquisador prometida não havia chegado e eu vagava por aí sem um puto no bolso. As pernas doíam por causa dos exercícios que precisávamos fazer na pesquisa. A pesquisa ia mal, mas ao menos meu preparo físico parecia melhor. Não estávamos muito empenhados. Por algum motivo ninguém ali tinha muito interesse no assunto, apesar das potencialidades da pesquisa. Tinha esse sujeito estranho no grupo, bigodudo, muito reservado. Ele talvez fosse o único que estava ali por real interesse.

Acordei suando de madrugada. O telefone tocava. Olhei por uns dois ou três segundos que pareceram anos, tentando decidir se atendia ou não. Atendi:

--- Anacreonte?

--- É, sou eu.

--- Você tem que vir imediatamente!

--- Por que?

--- Conseguimos um sucesso!

Um click seco anunciou que a pessoa do outro lado desligara. Droga. Me despedi da mulher que ainda dormia apesar do telefone, botei uma roupa e saí. Peguei o Madrugadão que passava em frente ao meu prédio entre 20 e 15 pras 3, e desci quando passamos por baixo do túnel. Desci do ônibus, subi o morro, entrei no túnel, caminhei até o trecho certo, certifiquei-me que ninguém vinha, abri a grade que levava até a entrada, passei pela identificação e lá estava, dentro da montanha, embaixo de milhares e milhares de pessoas que se amontoavam em casa luxuosas e favelas, nosso modesto laboratório.

Me informei sobre os avanços, e parece que o bigodudo finalmente conseguira. Reuniram nós todos numa sala e ele entrou, despiu-se, deitou-se no chão, começou a contorcer-se e, meu deus, foi horrível. Mika, um japonês da equipe que apesar do sobrenome ser Gay sempre se mostrara mais macho que qualquer um, foi o primeiro a não resistir. Saiu da sala vomitando, e logo atrás dele fui eu. Enquanto ele corria pro banheiro vomitando, joguei meu jaleco no chão, corri para a porta e me mandei.

Vaguei a noite toda, meio em pânico, meio aflito. Não sabia o que eu iria fazer a partir de agora, mas sabia muito bem o que não faria. Decididamente eu estava fora do projeto. O leitor por favor me desculpe por não dar uma descrição detalhada do que aconteceu por lá, mas não só o sigilo da coisa me proíbe como, acreditem-me, a descrição não seria deleitosa e regozijante como as descrições que vinham nos velhos romances do século XIX.

Voltei caminhando pra casa naquele dia. Cheguei com o sol das oito horas já me comendo a nuca. Parei na padaria e comprei 3 pães, que era o máximo que eu me atrevia a comprar depois que o preço subira tanto. Vinte centavos o pão, 1 pila a lata de cerveja, onde diabos esse mundo ia parar?

Mas não era isso que me entristecia. O pior era saber que daqui a alguns anos as coisas provavelmente continuariam iguais. Ou piores.


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