Retorna ao início
----->contos do fonjic<-----
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998

Capítulo 322: dos muitos chatos que já chuparam meu saco

Às vezes o sentimento estranho da lembrança me acomete. Estava andando no meio da rua quando uma memória me atacou, implacável e insolente, forçando-me a reconhecer sua existência.

Lembrei-me dos pequenos parasitas, grudados em meu saco e chupando meu sangue, como se eu e eles, nós, fôssemos parte de um único todo.

Eles eram a última memória remanescente de um amor perdido. Xana, a filha do padeiro, havia nutrido aqueles chatos e os transferidos para mim. E me causava um pouco de dó ter que retirá-los, de forma que eu estava sempre adiando a visita ao médico.

Ela terminara comigo porque eu roubava suas calcinhas. Toda vez que transávamos, ela perdia sua calcinha e punha a culpa em mim. Eu tinha particular orgulho pelas calcinhas menstruadas, que até hoje conservam o cheiro.

Mas tergiverso. Chato é que nem cupim, depois que se instalam é difícil livrar-se deles. Estão sempre bebendo seu uísque, melando suas revistas e ocupando seu banheiro.

Eram tempos difíceis aqueles. E parecia natural que uma dificuldade natural como chatos se instalasse na sua vida. Eles coçam. Ardem. Engordam. Se reproduzem e morrem. Fazem tudo aquilo que você também quer fazer, então não há sentido em culpá-los.

Eram tempos difíceis em que eu decidira me aposentar da escrita. Não havia sentido. A realidade suplantara toda e qualquer obra de ficção. Na Alemanha um casal matara o filho de um ano de desnutrição, pois eram vegetarianos e a mulher se recusara a amamentar, dando-lhe leite de amêndoa no lugar do leite materno. Desnutrição e pneumonia, pois o bebê sem leite materno era também obviamente desprovido de anticorpos. Outro casal alemão descobrira, depois de cinco anos de casamento, que o motivo de sua infertilidade era a ausência de sexo, que eles desconheciam ser necessário para a reprodução. Na América Latina um prefeito de cidadezinha fora currado e fotografado sendo currado para persuadi-lo de conceder um benefício fiscal ao currador. Em dado local da Ásia 97% da população acreditava que os políticos eram honestos. Na África epidemias estavam voltando pois autoridades religiosas proibiam vacinação. Ah sim, e claro, a patética guerra ao terror continuava.

Peguei uma cerveja e sentei-me no chão. Era engraçado observar e pensar naqueles bichinhos lá embaixo. Para eles eu era o Universo. Poderia ser tanto um Universo malvado punindo-os com desgraça, quanto um Universo bondoso, recompensando-os com fartura. Quais maravilhosos sentimentos não os percorriam quando sugavam o sangue fresco? Quais fantásticas fantasias não possuíam? Quantos projetos? Quantos prazeres triviais?

Talvez tudo isso fosse apenas delírio de uma mente bêbada. Talvez eles apenas sugassem como autômatos, uma vez que conceitos como dor e prazer são conceitos humanos, dificilmente aplicáveis a insetos. Mas é difícil não crer que uma espécie de euforia biológica não tomasse conta deles, algum mecanismo evolutivo que induzisse algo remotamente relacionado a prazer e, conseqüentemente, mantivesse a espécie existente, pois seus muitos membros, em busca do prazer, fartariam-se no sangue de minhas partes íntimas.

Afinal, se era dali que eu extraia o prazer máximo de minha vida, não seria justa que justamente dali, extraíssem eles o prazer máximo das suas existências?

Eu e meu saco ficamos horas e horas pensando. A tevê estava ligada, mas a programação acabara e apenas ruído de estática era exibido na tela. Aquilo me excitava.

De alguma forma, era como se aquele emaranhado de chuviscos fosse uma sedutora atriz procurando minha glande.

Era como se aquele emaranha de rabiscos fosse uma sensual silhueta se despindo para mim.

Comecei a me masturbar. O fluxo sangüíneo elevado excitou os chatos e eles começaram a beliscar ferozmente. O mundo girava e alucinava a medida em que eu aumentava mais e mais a velocidade e eles picavam com mais e mais fúria. Às vezes, sem querer, alcançamos a perfeição.


----------x----------

Para ler mais deste autor visite também:
http://uretrite.blogspot.com/
http://br.groups.yahoo.com/group/fonjic/

Clique aqui para cadastrar-se e receber contos de fonjic por email
Receba contos de Fonjic por email

Consulte
Spectro Editora
para ler sobre Charles Bukowski