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Amarguras

Amargas como a vida eram as palavras que eu tinha agora a lhe dizer. Ela dormia suave e tranqüila, com ar inocente. Sentei-me no chão e encostei a cabeça ao seu lado na cama. Querida, meu doce anjo, o que foi que eu fiz? Eu simplesmente não me concebia acordando-a no meio da noite dizendo:

--- Meu bem, me desculpe mas fudi com a sua vida.

Comecei a rever tudo o que acontecera naquela semana, que de forma tão desesperadora me levara àquele fim.

Eu estava normal, o que não quer dizer feliz, mas enfim, num estado de espírito suficientemente suportável para que conseguisse manter afastada da cabeça a idéia de suicídio. Eu tinha uma esposa, uma menina que se apaixonara por mim, e eu a amava o suficiente para que minha vida tivesse sentido. Então ela viaja. Simplesmente começa a agir estranho, ficar apática comigo e daí diz que tem que fazer uma viagem. Visitar uma amiga de infância, ela disse.

Eu não sei porque, esse foi o prenúncio do fim. Fiquei meio louco, meio triste. Louco pela ausência dela, triste pela dependência por ela em que eu estava. Afinal não é todo dia que temos filhos e casamos.

Saí para beber e arranjei a mulher mais linda que eu já conhecera. Eu sabia que cedo ou tarde iria fuder com tudo. Já falei de nossa filha? Sim, eu e a menina que se apaixonara por mim tínhamos uma filha de sete anos.

Mas sei que passei três noites no leito adúltero, deixando minha filha sozinha, indefesa em casa, minha esposa ausente traída, e meu instinto de autodestruição saciado.

Há exatamente uma semana atrás foi a primeira noite em que traí minha esposa. Três dias atrás ela voltou. Há dois dias ela descobriu e chorou a noite inteira ao meu lado, enquanto eu dormia. Ontem ela me parou com olhos irritados e profundos, com as olheiras mais terríveis que vi em minha vida e todo o ódio que uma mulher pode ter, a menina que um dia se apaixonara por mim, e me disse que era o fim. Tudo acabado. Saí de casa. Saí com uma mala de roupas e humilhação. Saí com a vergonha de quem sabe ter sido o criador da própria tragédia.

Hoje eu bebi. Bebi muito. Bebi num bar falando mal das mulheres e senti saudades da menina que um dia se apaixonara por mim e, principalmente, senti saudades do anjo de sete anos chamado Cristiane que estava sendo agora roubado de mim, a filhinha que um dia acreditara em seu papai e secava sempre em meu colo suas lágrimas tristes. A filhinha que achava que seu pai era um deus infalível e que sempre apareceria para ela trazendo boas notícias e alegria para aquele rostinho divino.

Agora aqui estava eu, hoje, bêbado, sentado ao lado dela, minha filhinha linda, com a loucura na mente e a faca ensangüentada na mão. Aqui estava eu, seu papai, que iria fazê-la feliz e protegê-la para sempre, do qual ela iria sempre se orgulhar e confiar. Sim, eu, bêbado, com a cabeça repousando ao seu lado na cama, sentindo em mim o peso da tarefa mais triste da minha vida. O anjinho dormia, acordei-a dizendo, entre lágrimas:

--- Querida, meu anjo acorda! Acorda anjinho!

--- Ahn.... papai? --- balbuciou ela, despertando como que de um sonho triste.

--- É meu bem, é papai. Acorda. Eu matei sua mãe.


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