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Reminiscências de uma língua salivante

Sexo verbal, sexo nominal, nunca soube ao certo qual dos dois eu preferia. Acho que no fundo eu gostava mais era de cair de boca na coisa mesmo, sentindo as pernas lisas e macias que roçavam em meus ombros e nuca, mais do que de qualquer outra coisa.

Mas nunca paramos de procurar, não é mesmo. A raça humana é inquieta por natureza. Sexo verbal, nominal, ao portador, cruzado, qualquer coisa era uma desculpa para tentarmos um novo tipo de aventura. Uma vez decidimos escolher a cidade em que iríamos acordar. Preparamos tudo, o vinho e o ópio. Giletes no pulso, caso algo desse errado. Pasárgada, Rivendell, nem lembro mais. Tudo o que lembro é que lá chegaríamos pra nunca mais partir. Seria a mais ousada aventura do ser humano, depois das viagens de Tennison à mística Xanadu. Mas alguma coisa tinha que dar errado, pra variar, e uma vela das que enfeitavam o pentagrama virou sobre a cama e começou a tocar fogo no lençol. Tudo que lembro é de nós dois correndo assustados e rindo da cama, que se enchia de fogo rapidamente. Ficamos no canto assistindo, rindo alto da cama que virava fogueira e das queimaduras que achávamos em nós. Ficamos ali, vendo o fogo ir da cama pros armários e cortinas, até que os vizinhos, alarmados pelo cheiro e pela fumaça, arrombaram a porta e tiraram-nos de lá. Até tentaram alguma coisa com a mangueira de incêndio do corredor, mas o fogo só acabou mesmo quando os bombeiros chegaram.

Estávamos nus e loucos, e logo os vizinhos trouxeram cobertores para nos enrolar. Ríamos de tudo e tentávamos a todo custo tomar banho de mangueira. Perdi tudo que tinha naquele quarto, além do cheiro que demorou meses pra sair e a multa que ganhei do condomínio. Nunca entendi se estavam me multando por causa do incêndio, por danos ao prédio ou por ter transado. Nunca quis saber também.

Nada fazia muito sentido mesmo. Era uma época estranha, parecia que a humanidade tinha estado mil anos no cio e de repente resolvera se abster. Estávamos na contramão da história. A última vez que nos vimos foi quando decidimos andar de metrô. Pegamos um ônibus até o centro e transamos num beco da cidade até que ficássemos sem forças até pra andar. Voltamos acabados pra casa e contamos a todo mundo que tava lá que tínhamos andado de metrô, em plena Florianópolis. Acharam que tínhamos ficado loucos de vez, mas a verdade é que fomos os primeiros habitantes a andar de metrô na cidade. Depois disso choramos, e decidimos nunca mais nos rever.

Você foi embora, no meio da madrugada, levando suas tralhas num saco plástico. Nunca mais nos revemos. Restou apenas a memória, e as cinzas do quarto, e os sonhos estranhos em noites escuras. Restou apenas minha obsessão, minha doce mania, que me faz, uma vez por ano, visitar novamente aquele beco, para contemplar, em silêncio, as manchas na parede.


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