Laputa, Cancro e a roda da fortuna
Eu andava obcecado com algo incomum: ficar rico. Não simplesmente
rico, mas rico o suficiente pra nunca ter que voltar a trabalhar. Pode
parecer estranho ao leitor comum esse desejo, mas sou obrigado a
assumi-lo. Trabalhar não era algo agradável ou desejoso para mim,
ainda mais depois que o governo decidira mudar a idade mínima de
aposentadoria para os 98 anos.
Vamos falar a verdade, eu não iria chegar sequer aos 49, quanto mais
passar adiante. Eu precisava armar rápido um plano. E não pude deixar
de me lembrar de Laputa Perone, a grande musa do cinema nacional, cuja
interpretação no clássico filme A Volta do Homem do Cancro Mole, onde
fazia o papel de verdureira que vendia repolhos na feira, era
responsável por pelo menos metade das vezes em que eu me masturbara. A
cena central do filme é aquela em que ela desmancha com as mãos uma
cabeça de repolho, e nunca conheci homem que conseguisse assisti-la
sem ter uma imediata ereção. Eu mesmo me lembro de ter saído do cinema
com a calça melada após a sessão de estréia do filme.
Mas justamente por causa da falta de grana que lembrei da Perone. Ela
estava velha e esquecida, mas se eu fizesse um filme com ela, poderia
conseguir muito dinheiro. Está certo, era Brasil onde eu vivia e isso
dificultava um pouco, mas eu já estava fudido mesmo, não custava nada
arriscar.
Marquei um encontro com ela no bar do Pamp, que ganhou esse nome
porque o dono adorava tocar poperô nas festas anos 80 que organizava.
Marquei o encontro para as nove, mas cheguei às oito. Era uma
superstição... precisava me acostumar com o local antes que ela
chegasse. Dessa forma eu garantiria a vantagem estratégica de conhecer
o terreno melhor que ela, e isso só podia ser bom. Tomei umas três
garrafas gentis e generosas de cerveja e Perone não havia chegado
ainda. Notei uma senhora de idade entrar e sentar-se com dignidade
numa mesa. Só podia ser ela, ninguém mais naquele bar aparentava
dignidade.
Pedi mais uma cerveja e endireitei a roupa como ritual de preparação
para o grande encontro que me tiraria da miséria. Fechei o fecho da
calça, sequei a cerveja que estava grudada no cabelo por causa de um
truque que eu fizera para impressionar os jovens adolescentes que iam
ao bar, assoei o nariz e fui.
Sentei confiante na mesa e disse:
--- Olá!
--- Cai fora!
--- Calma, acho que você não entendeu direito. Sou o cara que vai
fazer um filme com você.
--- Certo, e essa é a cantada mais velha da história da humanidade.
Se manda antes que meu Igor lhe ensine o que é bom.
Olhei pra trás e vi o Igor dela, com pelo menos dois metros, se
aproximando.
--- Mas você não é Laputa Perone?
Senti a mão pesada do Igor no meu ombro e aquela voz perguntado qual
era o problema. Já sentia o beijo da morte quando consegui pegar uma
garrafa vazia e, virando, acertar em cheio no crânio de Igor. Ele deus
dois passo pra trás e quando voltou a me olhar achou apenas um vazio
na cadeira, enquanto eu engatinhava pelo meio do pessoal que dançava
tentando ficar o mais longe possível dele. Fiquei o resto da noite
escondido num canto escuro e bebendo, cuidando para achar a
verdadeira Perone e não ser visto por Igor, que ainda olhava em volta
de vez em quando em minha busca, embora a mulher o tivesse demovido de
continuar zanzando pelo salão me procurando.
Eram seis horas da manhã e tive que pendurar as dez garrafas de
cerveja que tinha tomado. O dono era meu amigo mas relutava em fazer
fiado pois minha fama de mal pagador estava se espalhando. Peguei o
primeiro ônibus da manhã e estava ainda levemente alcoolizado quando
cheguei em casa e liguei para Perone.
--- Alô?
--- Alô, quem fala?
--- Perone, eu sei que é você. Eu conheço sua voz. Eu conheço.
--- Ahn... quem está falando?
--- Aqui é o Anacreonte. Eu te esperei a noite inteira no bar do Pamp
e você não apareceu Perone. EU QUASE MORRI, PERONE, QUASE MORRI LÁ POR
VOCÊ. Perone, você tem que estar no meu filme, Perone. Eu posso
parecer meio bêbado mas tô completamente são. Vamos ficar ricos com
esse filme. POR QUE VOCÊ NÃO APARECEU? POR QUE?
Um silêncio no outro lado da linha. Eu sabia que tinha pego ela em
cheio. Certamente ela estava pensando em desistir e minha argumentação
lhe fizera ver que o filme estava fadado ao sucesso. Parecia uma
eternidade de silêncio quando ela voltou a falar:
--- Bem, senhor Anacreonte, estive me informando e descobri que você
é um pau d`água sem talento e sem dinheiro fadado ao fracasso. É por
isso que não fui, senhor. E por favor tenha a bondade de nunca mais me
ligar de novo. Ou eu chamo a polícia.
Desligou o telefone na minha cara e fiquei ali, ouvindo o sinal
intermitente da linha telefônica até que este silenciou. Tive raiva de
todas as vezes em que me masturbara por aquela mulher. Tomei um trago
e fui dormir.
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