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A doce vida a dois em seis

Transamos ali mesmo, no bar. Foi amor à primeira vista, coisa instantânea, bar vazio, noite fria, precisávamos de ocupação.

Acordei uma hora, tocava um som altíssimo, e quis ir à praia, ver o sol nascer. Fiquei na beira d'água, molhando minhas roupas imundas, quando me chamaram de volta. O sol não ia nascer. Era essa a verdade e a notícia, por mais triste que fosse, era verdadeira. Já tinha amanhecido, eram oito da manhã e o céu era nuvens só. Ficamos nublados e decidimos sair dali.

O quê? Se sou fiel você me pergunta? É claro. Pode perguntar a qualquer um que vive ali no bar também. Há mais de vinte anos, todas as noites, na mesa do canto, estamos sempre lá. A bebida e eu.

Não tínhamos lugar nenhum mais pra ir, tudo era tédio. Mundo moderno, sem mais dândis. Borboletas violino passeavam num sonho psicodélico, mas a geração LSD estava pelo menos a meio século no passado, de forma que nosso mundo era cinza, denso, sem esperança.

Numa tentativa de colorir o mundo pegamos a moto e resolvemos sair. Não que fosse fácil caber seis numa moto e até entendo seu olhar de dúvida, mas, ajeita aqui, ajeita ali e, no fim, todo mundo coube. Viramos uma coisa só, nós e a moto, um corpo único. Metal e carne entrelaçados, forçando-se mutuamente na luta por espaço.

Sentado no guidom ia eu, com um pé de apoio no pára-lama da roda dianteira e a outra perna esticada, solta, em paralelo à roda que girava docemente. Logo atrás de mim ia o Zé, mais bêbado que eu, dirigindo a moto, ou ao menos escolhendo a direção em que ocorreria nossa próxima colisão. Como não tinha mais espaço no banco, ele sentava no tanque, com as pernas bem arregaçadas, cruzadas ao redor do volante e da perna minha que se apoiava no pára-lama, repousando os pé em cima do meu. Sassa, Lú e Tata prolongavam-se a partir dele num bolo de carne deliciosamente lindo. A cabeça de Sassa estava no ombro e os pés em algum lugar daquele bolo indistinto de gente que ocupava o banco da moto. Lú, que estava no alto, literalmente pendurada por aquele bando de gente, ia segurando minha cabeça pelos cabelos pra evitar que eu caísse de novo. Em baixo, esparramado sob aquele bando de mulheres no ínfimo espaço do ferrinho de enfeite que tinha atrás do banco, tava o Nico, com as cabelos esparramados pela moto inteira e o sorriso de satisfação no rosto. Das vezes que paramos, uma ou duas foi por causa do cabelo dele que tinha enroscado numa das rodas ou no motor. A Tata tava por ali em algum canto. Olhando de fora mal se via ela, que tinha ficado bem no centro daquele conglomerado de gente.

Acabamos chegando em casa. Tinha tanto tempo que não íamos lá que nem lembrávamos direito como era. Botamos som, pegamos uma cana, começamos a festar. A moto tava destruída. A segunda coisa que notamos foi o aquário que a Lú, o Nico e a Tata teimavam em ter. Pela décima milésima vez o peixinhos tinham morrido de inanição. Malditos peixes, nas outras dez mil vezes tinha sido excesso de comida. A Lú ficou deprimida, tivemos que consolá-la para parar de chorar e brincar de novo co'a gente. Resolveram que na próxima vez que estivessem num dia útil da semana, iam ir até o centro para comprar mais peixinhos e começar tudo de novo.

Dito e feito. Quando tudo acabou, a ressaca chegou e ameaçávamos ficar sóbrios, começamos tudo de novo.


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