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A macabra lenda da temível Vulva Falofágica

Era um vinte e cinco de abril ou alguma data por aí. Era feriado e eu estava bêbado, pra variar, a zanzar pelas ruas de madrugada. Tanto tempo faz que nem consigo lembrar o motivo exato do feriado, alguém tinha morrido ou algo assim... quem dera tivesse sido eu.

Um sujeito na rua me chamou. Estava escuro e mal se podia ver meu interlocutor:

- Ei cara!

- Hmmmmff... argh...

- Ei cara... você aí, com a garrafa plástica de vodka!

- Uurhhh...burrr...eu?

- É! Você mesmo! Quer um emprego fácil?

- Dá dinheiro?

- Bastante.

- Então eu quero... burrr...

Fizemos acordo ali mesmo. E, de repente, a partir do nada, minha vida pareceu novamente tomar rumo. Era um emprego fácil. Sem carteira assinada, sem patrões enchendo o saco, negócio de freelancer e apenas aquele cara como intermediário. Tudo que eu tinha que fazer era, uma vez por noite, pegar um carro estacionado e levá-lo ao centro. Recebi até um pequeno treino profissionalizante ensinando a desligar alarmes, escolher o local, o melhor veículo etc. Com pouco tempo eu já era um dos melhores da empresa.

Costumava a freqüentar esse bar, o tal de Joe ou alguma coisa assim. O pessoal era legal, deixava a gente beber a vontade sem encher nosso saco e, com o tempo, já tínhamos formado um seleto grupo de bêbados a freqüentar o local todas as noites.

Tinha esse cara, o tal de Zé, que sempre ficava lá num canto, isolado do resto, a beber sozinho. Um dia sentamos no lado dele, e tanto pressionamos que o cara resolveu contar sua história.

- Tá bom... Tá bom! Eu conto. Mas tem uma condição, até eu terminar ninguém dá um pio nem uma risada, todo mundo quieto, boca fechada, depois pode fazer o que quiser.

- Tá cara, sem crise! - concordamos nós outros quatro.

- Eu vivia como vocês. Era jovem cheio de vida, tinha nem bem trinta anos ainda. Muito sofria mas também curtia com as mulheres, mas meu negócio era virgens. Ah deus, eu as adorava... não podia ver uma menininha de uns quinze aninhos passar que já ficava todo excitado e, naquela época, como vocês sabem, conseguia ainda se achar ninfetinha de quinze anos ainda virgem. A galera toda tinha inveja de mim, não sabia como eu podia me dar tão bem assim, pois agarrava mais menininha que professor de segundo grau. Em meu íntimo, porém, eu tinha meus medos. Rolava um boato na cidade da temível Vulva Falofágica e eu, fanfarrão, embora morresse de medo, vivia a rir dos outros que temiam tal coisa!

- Ih hihihihihihih, ih hihihihih!

Era o Caolho! Chapado, tinha disparado a rir, quase se mijando na cadeira. O cara se ofendeu, ameaçando parar a história e ir embora. Demos tanta porrada no Caolho que ele acabou parando e convencemos o cara a ficar. A história embrulhava um pouco meu estômago... mas, por mais absurda que fosse, eu continuava disposto a escutá-la.

- Desculpa aí, meu, foi mal! O cara tá doidão, não liga!

- Mais uma dessas e eu caio fora!

- OK, cara, OK! Não te esquenta, vai fundo!

- Tá... Tá OK. Mas tão avisado, hein? Como eu ia dizendo, essa história, da Vulva Falofágica, rodava a cidade e eu não tava nem aí. Diziam que era uma espécie de vingadora das mulheres, uma aberração da natureza, que viera a cidade dos homens para ministrar a punição. Eu escarneava e debochava dos tolos que se borravam de medo, e por nada desse mundo eu deixava uma virgenzinha escapar. Um dia eu tava na frente de m colégio primário e segundo grau, numa parada de ônibus onde eu geralmente fazia ponto ao meio-dia, esperando as menininhas passarem, com seu ar de primavera, quando olhei pro lado e, sentada, vi a coisa mais linda do mundo.

"Devia ter de catorze pra quinze aninhos. Linda. Simplesmente divina. As pernas bronzeadas, perfeitas, os seios firmes num decote generoso e a boca que era simplesmente um convite eterno. Como é que ela tinha chegado, assim tão de mansinho, e sentado ao meu lado sem que eu sequer a notasse? Boa! Incrivelmente boa! Eu era um canalha, confesso, mas pela primeira vez na vida eu estava apaixonado. Havia algo naquela menina que não podia ser desprezado.

Sentei ao lado dela e comecei a conversar-lhe. Falamos durante o que pareceu horas e, quando ela levantou-se para pegar o ônibus, também levantei-me e fui junto. Nem sei que ônibus era aquele. Sentamos num banco, lá no fundo, e pus logo as mãos naquelas pernas. Ela deixou. Comecei a acariciar-lhe e logo já estava bolinando a menina em pleno ônibus. A garotada olhava, com inveja, e ficava babando. Perguntei-lhe se era virgem e ela confirmou. Deus meu, ela era perfeita.

Convidei-a para uma volta. Ela topou. Descemos no próximo ponto e parti à cata do hotelzinho mais próximo. Achamos um pardieiro por dez pila e alugamos um quarto. O velhinho da portaria olhou a menina babando e secando ela na maior cara dura. Que cara de pau a dele, falta de decoro.

Foi aí, infelizmente, que a história começou a ganhar ares de tragédia. Mal tirou a roupa, a menina se meteu embaixo das cobertas, apesar do calor, e eu fui atrás. Mordia-lhe e sugava os lábios e o pescoço, mas embaixo do cobertor uma pequena espécie de revolta corporal parecia ganhar lugar. A carne da menina torcia e parecia mudar de forma, expandir-se, deteriorar-se. Olhava o rosto dela e ela sorria. Meu deus! Era o sorriso mais lindo que eu já vi na minha vida, passaria o resto da vida junto a ela. E teria realmente passado se, pelo espelho do quarto, eu não tivesse visto a imensa deformidade que o corpo dela se transformara embaixo do lençol.

Pulei assustado, perguntando pelos céus o que estava acontecendo! Destapei-lhe o corpo e pude vê-la, em meio a sua metamorfose quase completa. Pelo corpo inteiro, uma camada espessa de pelos e uma casca de aranha ou barata a recobria agora. Seu abdomem transformara-se numa bizarra massa gosmenta e estriada, com faixas laranjas na horizontal. Seus braços e pernas tornaram-se estreitos ligamentos, dos quais partiam garras e ferrões iguais ao de um siri. Andei prá trás, em pânico, desespero. Cheguei a uma quina da parede, mas o cérebro, inconsciente disso, continuava mandando meu corpo jogar-se pra trás. A metamorfose chegara agora à cabeça, que alongava-se, assemelhando-se a de um cavalo. A boca, antes os lábios mais doces que eu já vira, foram agora aos poucos dando lugar a uma arcada de jacaré, com sua mandíbula feroz recheada de dentes. Mas a mais terrível das coisas ocorria no abdomem. A buceta alongara-se e adquirira, também, a forma do mais puro terror. Com cerca de meio metro, aquela vulva pulsava e se movia em minha direção, revelando em seu interior, seu próprio conjunto de mandíbulas e de dentes, que sedentos moviam-se e babavam esperando devorar-me. Foi aí que compreendi diante do que eu estava. Foi aí, senhores, que o medo perdeu sentido e até mesmo minha última esperança foi embora, deixando me só. Eu e ela, a Vulva Falofágica."

- ...

Pausa. Um silêncio pairou no bar, um constrangimento. O cara tinha agora os olhos cheios d'água e a voz grave demonstrava o medo trazido à tona. Se não fosse verdade ao menos, com certeza, o cara acreditava que fosse.

- Chorei, senhores! Confesso que naquele momento chorei, ao ver aquele corpo pustulento e doentio aproximar-se de mim, ao sentir seus ferrões me agarrarem e fincarem-se em minha pele, impedindo-me de fugir e pressionando-me em direção a ela. Senti a dor queimando minhas costas, quando nela os ferrões se fixaram, perfurando-a, e pânico, pânico e mais pânico foi o que senti quando, colado àquele corpo, senti a dor insuportável da temível Vulva Falofágica devorando-me e dilacerando-me. E foi assim, senhores, que nunca mais duvidei de história alguma, e foi assim, que naquele dia, por muito pouco, escapei da morte, querendo até hoje que não o tivesse feito, pois se lá tivesse morrido, teria sido melhor!

Fiquei absorto... desligado por um tempo, sentindo um troço estranho no ar que não consegui bem entender o que era. Quando voltamos a si, o cara já havia se mandado em silêncio e estávamos todos sóbrios, sérios, nervosos, como se nada houvéssemos bebido a noite inteira. Até o Caolho estava sério e são ante o impacto que aquele sentimento apocalíptico instaurara na sala. O tal do Zé se mandara e aproveitara pra nem pagar a conta, canalha. Nunca mais o vimos, também. Ali a noite terminou, o bar fechou e fomos pra casa onde pudemos passar o resto da noite tendo pesadelos. Não haveria bebida alguma no mundo que fizesse efeito naquela noite, depois da história.

É, senhores, assim é a noite urbana, triste, melancólica. A qualquer época do ano, a qualquer dia, ela poderá sempre tornar-se a mais triste, seja a noite quente, seja a noite fria.


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