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Mil umas noites na Bagdá do caos

Cheguei e encontrei Bette de calcinha a esperar-me:

- Minha Nega!

- Meu Homem!

- Minha Deusa!

- Meu Puto!

- Minha Florzinha!

- Meu Florzinha!

Meu Puto? Meu Florzinha? Que história era essa? Esse papo tava ficando meio estranho, o que me fez desistir das preliminares e falso romance partindo logo pro jogo duro. Transamos. Trepamos de tudo quanto era maneira e uma hora depois eu jazia ao lado dela, ofegante, cansado. É... era um serviço sujo e pesado, mas alguém tinha que fazê-lo.

- Mais! Mais! - gemeu ela ao meu lado em meu ouvido, esfregando-se, excitando-me novamente.

Não tinha jeito... eu tinha que dar uma segunda. Cinco minutos depois eu já tinha gozado novamente, novamente ofegante ao lado dela.

- Mais! Mais! - gemeu ela novamente.

- Não - disse-lhe eu com firmeza - acabou!

Alguém tinha que mostrar quem realmente mandava por ali. Ela reclamou alguma coisa, aquietou-se e ajeitou-se em meu colo, dormindo.

Arrastei-me para fora da cama sem acordar-lhe. Vesti-me. Vasculhei-lhe a bolsa até encontrar o que procurava. Cinqüenta pila! Ali estava, esperando por mim. Pobre Bette... será que não te disseram que a vida é cruel e que, às vezes, não só a vida imita a arte como a arte se torna real?

Saí em silêncio para a noite na rua. Eu era jovem. Eu era jovem e tinha cinqüenta pila no bolso, o que era o principal.

Parei num buteco desconhecido, sentei no balcão pedindo uma pinga. Um cara mal-encarado me olhava lá do outro lado fixamente. Piscava um olho dum jeito estranho, não sabia se era cacuete ou era pra mim. Tampouco estava interessado em saber.

Virei a dose de pinga e pedi mais uma. Quando olhei de novo o cara já estava do meu lado:

- Ei, eu já não te vi antes?

- Não.

- Mas você vem sempre aqui, não?

- Não.

- Nunca veio?

- Você tem cigarro?

- Tenho.

- Tá bom... então eu vim.

Peguei um cigarro do estranho e tomei metade da pinga que chegara. Não sabia em que espécie de merda me metera, mas afinal eu tinha um cigarro. Acendi, puxei com prazer uma longa tragada, e o cara ali, parado, a olhar-me. Não gostei da cara do sujeito, mas quem era eu pra julgar a cara de alguém. Tomei o resto da pinga e perguntei:

- Cadê tua mulher?

- Morreu. Disseram que fui eu que matei, mas agora já tô solto de novo.

Alguma coisa me dizia: Cai fora. Mas precaução nunca foi o meu forte. Novamente o sujeito atreveu-se a falar, babando dessa vez:

- Já deu o cu?

- Não.

- Não quer dar?

- Não.

- Tem certeza?

O balconista do bar interviu a meu favor e pediu ao cara que me deixasse em paz. O cara resmungou algo sobre o cigarro que eu tinha pego e depois voltou ao banco onde estava inicialmente, do outro lado, e ficou me olhando.

Tomei outra dose. E outra. E outra. E muitas outras. Depois de algumas horas, quando o bar estava fechando e eu já conhecia toda a história da vida do balconista, e de seus ancestrais mais recentes, paguei a conta. Recebi cerca de quarenta pila de troco, mais uma garrafa de vinho fuleiro de brinde. O cara continuava lá, a me encarar.

Vamos lá. Respirando fundo e forçando a vista pra ver o caminho, saí do bar, socando o dinheiro amarrotado no bolso, emborcando o vinho, com a certeza de que o pior estava por vir. Não só naquela noite como na vida. Piorar é o único sentido que se pode encontrar na humanidade, após minucioso exame. Eu sentia a encrenca chegando, mas isso não era mais surpresa.

Ouvi os passos na rua atrás de mim. Bêbado eu estava, mas ia morrer lutando. Senti um pânico propício àquela hora da noite, não, não um pânico, um medo, uma excitação, uma sede por sangue. Não ia conseguir chegar em casa aquela noite. O que Bukowski faria numa situação dessas?

Terminei a garrafa de vinho e entrei na primeira ruela escura que achei. Escondi-me, esperando os passos entrarem, acertando em cheio a garrafa na cabeça do monstro. Tonteou. Não pude verificar quem era ou se estava realmente me seguindo. Foda-se. Aproveitei a tonteira o cara e bati com força a cabeça dele três vezes na parede. Apagou.

- Filho da Puta! Filho da puta!

Bati-lhe com força mais algumas vezes, certificando-me que estava apagado. Fui embora, não sem antes pegar-lhe a carteira e o casaco. Estava frio...

Acordei com o sol quase se pondo. Estava num quarto, uma kitinete. A julgar pela aparência eu morava ali. Amnésia. Maldita amnésia, como sempre, só que pior. Quem eu era afinal de contas? Ninguém? Sussurrando concordavam as paredes.

Revistei meus bolsos. Uma boa quantia em dinheiro. Certamente daria pra comprar mais bebida se eu lembrasse onde tinha um bar. Continuei a revistar-me achando uma carteira. Cem pila... talvez eu não fosse tão fudido de grana quanto aquele lixo onde eu morava me levava a acreditar. Marcelo de Souza, dizia uma carteira de motorista junto ao dinheiro... nenhuma outra identidade... devia ser eu afinal de contas.

- Bosta de mundo! - gritei pela janela. O mundo sem nada responder pareceu concordar.

Concluindo a revista no casaco, achei um papelote bege cheio de pó. Cocaína, pensei, será que eu cheirava aquilo? Talvez sim... por via das dúvidas cheirei a metade e deixei o resto pra depois. Saí doidão pra rua. Já era noite.

No jornal, um quadrado anunciava que eu, Marcelo de Souza, morrera na noite anterior. Entretanto eu, sem nada saber, ali estava, a vagar pela cidade alucinada e elétrica. É incrível o que podemos fazer quando não temos consciência de quem somos, quando não sabemos o que falam de nós.


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