Retorna ao início
----->contos do fonjic<-----
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998

Enfim...

O fim. É...eu sentia o gosto inevitável na boca, e aquele gosto era já conhecido... era o fim. Talvez outra vida, talvez outra mulher, sei lá, mas o fim vinha, à galope, isso era certo!

Nada mais restava para a humanidade, nada! Bukowski fora o último grande escritor da história, e um babaca havia berrado lá da europa "a história acabou", mas não, ela não havia acabado ainda. Quanto a grande escritor, ele que me perdoe, mas inegavelmente foi... pelo conteúdo e tudo mais. Era isso... o fim... o mundo acabava, a história não. Fechei a última página do livro e quis ler o próximo conto do velho safado... mas o velho safado não existia mais, só em memória.

Era isso... sem novidades, sem impactos, de mansinho, de mansinho vinha chegando. E o gosto amargo que empesteava minha boca era esse, o fim. O mundo fora nada mais nada menos que uma grande festa: generais emplumados, grandes ditadores, grandes guerras, bombas cada vez melhores (no sentido estritamente perverso da palavra), escritores orgulhosos, cientistas arrogantes, pessoas exploradas e, cada geração que chegava, pegava o Grande Balde de Merda e jogava um pouco mais pra frente... cada vez maior, mais cheio. O mundo fora uma festa, bastante sem graça até e, quando todos haviam partido, sobrou apenas o velho Buk, bêbado, num canto, aferrado a uma garrafa de vodka, deixado sozinho para chutar a merda no salão, apagar as luzes, fechar a porta e ir embora.

Fim. A porta estava fechada.

Depois disso nada mais restou. Nenhum texto vale mais ser escrito, nem um poema sentido. Fim. Acabou. Porta fechada. Gosto amargo na boca. Gosto de fim. Gosto de ressaca, da imensa orgia que foi a humanidade, todo mundo, um fudendo o outro, sempre. Até o Pessoa, excelente poeta, péssimo filósofo, politicamente ultra-conservador e pseudo-cientificista.

Fim.

Sentia o gosto quando saía de casa. A janela me olhou embriagada, e sedutoramente sussurrou "fim". As paredes sozinhas, sem você, me diziam "fim". Saí nas ruas e olhei as crianças. Eram o refugo, a última coisa que restava dos adultos. Olhei todos eles, crianças e adultos, perdidos na rua, achando que tinham um lugar pra onde estavam indo. Não eram nem sequer um cocô de Aristóteles ou Sócrates. É claro, eram todos o fim, os gregos o início.

Fim. A garrafa vazia. O livro acabado. A porta fechada. O mundo fudido e grande demais pra tão pouco pensamento. A janela do décimo andar fazendo convites. Teu cheiro que nem sequer no ar estava. Teu rosto, teu corpo, que eu nem mais lembrava, embora quisesse. Teu beijo, tão falso quanto o céu, quanto o dia, quanto a humanidade. O fim, tão final quanto definitivo. O peso. As dores. As cores, antes alegres, hoje violentas. Fim.

Vaguei pelas ruas, bêbado, até o relógio acabar. Vinte e quatro horas, o fim, enfim. Amarga a ressaca, em minha boca, com gosto de fim. Vazio o estômago a doer, chegara ao fim. Vazia a mente, a cabeça, fora do ar. O fim.

Cheguei em casa, em vão chamei "Rose". O silêncio por fim. Acendo a luz, teu corpo no chão, gelado, morto, derretendo fim. Não sei porque, não me surpreendo, sentira já o gosto, o gosto do fim. Provei tantas vezes que nem mais sei, mas agora aprendi a conhecer, aceitar, o gosto amargo, que tem nosso gosto, quando chega, por fim, o amargo do fim. Aceitação... e fim.

Garrafa vazia. Mente vazia. Mundo vazio. Corpo vazio. Gosto vazio. Janela aberta, vazia, esperando por mim. Quis chorar, não pude. Não consegui... ou não tive coragem. O fim me revela covarde enfim. Covarde demais pra chorar, covarde demais pra encarar o fim. Joguei-me na cama, lembrei-me teu gosto, consegui então chorar, por fim. Aí o mundo abriu-se, numa vasta fissura, e veio do fundo, cavando as entranhas, procurando por mim. Uma boca enorme, a boca do mundo, que me devorando confirmou, "realmente é o fim".


----------x----------

Para ler mais deste autor visite também:
http://uretrite.blogspot.com/
http://br.groups.yahoo.com/group/fonjic/

Clique aqui para cadastrar-se e receber contos de fonjic por email
Receba contos de Fonjic por email

Consulte
Spectro Editora
para ler sobre Charles Bukowski