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Melancolia

Sara e Beti haviam saído. Peguei dois cigarros, o uísque e fui dar uma volta também.

Há tempos já que as coisas iam nada bem. Desde que Rutwana morrera, para ser mais exato. Dois meses fariam na segunda feira, hoje era domingo. Rutwana Wers... o canalha deixara suas marcas, isso eu não podia negar.

Acendi o primeiro cigarro e abri a garrafa de uísque. Alívio. Desde que Rutwana morrera as coisas começaram a desandar. Beti ficava deprimida e Sara começava a ficar cada vez mais fria. Nós três não transávamos já fazia duas semanas agora. Isso tudo e nós mal o conhecíamos. Era estranho... mas por mais distante que fossemos dele, de alguma forma o bastardo fazia com que tudo tivesse um sentido. Sua mera existência fazia parecer que o mundo possuía uma lógica própria e que nós todos não estávamos tão fudidos quanto realmente estávamos. De repente ele morrera, simplesmente assim, e nada pudemos fazer para impedir.

A mulher, coitada, que nem sabíamos existir, estava lá, no velório, firme, resoluta, séria, com a cara de quem sofre uma perda sem a surpresa de que ela viria assim, de repente e prematura.

Aquela menina que vivia agarrada com ele também esteve lá. Patrícia Legajo... fiquei com um cartão dela para ligar um dia. Ela escreve poesia e namora um artista plástico aviadado... formada em filosofia parece... a única pessoa que conheço que era capaz de se igualar ao velho Wers quando o assunto era bebida. Juntos tomaram os maiores porres do bar e resistiam até o amanhecer, mesmo depois de todo mundo já ter caído dormindo num canto do bar.

Sentei na beira-mar e fiquei olhando o mar, as crianças, os carros e os adultos que lá estavam para estragar as crianças, os pais. Era belo o mundo e no cair da tarde a brisa gelada começava a cortar o rosto, enquanto os pais se apressavam em agasalhar e levar embora os filhos para protegê-los. As crianças relutavam e teimavam em ficar um pouco mais, porém, esforço inútil, os pais terminavam por levá-las, com rostos tristes, dentro de carros, para longe. Não entendiam, os pais, o que elas viam lá que não queriam ir embora. Só as crianças viam... as crianças e eu.

Era noite, já, agora, e eu estava sozinho, bêbado e com uma garrafa de uísque a menos. Peguei o cigarro que restava no bolso, a essa altura já meio amarrotado, e fumei com calma, morosa deletatio, curtindo o prazer de faze-lo lentamente.

Rutwana Wers estava morto... e eu também. Acabara tudo, não adiantava prorrogar. O mundo inteiro despencava ao meu redor e já não me sentia mais capaz de segurá-lo, não tinha mais forças. E Rutwana não estava mais lá, no bar, à noite, naquele balcão, para falar algo que fizesse tudo ter um sentido, sempre com aquela voz morosa e o bafo azedo de quem não se desgrudava um minuto sequer de uma pinga ou cerveja.

Terminei o cigarro e fui embora. Nem minha era a casa, era de Sara e Beti, e eu era covarde demais para voltar lá e dizer que estava indo. Tinha uma mochila com roupas minha na casa de um amigo que eu poderia ir lá pegar agora. Depois, cairia na estrada, de novo, na noite, na espera de uma carona, cada vez mais pra longe, cada vez mais pro sul.


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