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Uma noite a mais

Era alta madrugada, quando Fulano, tão bêbado quanto eu, resolveu perguntar: - Mas qual é tua profissão mesmo? - Já te disse porra, sou profissional autônomo! - Mas que porra é essa, porra! Essa porra não me diz nada! - Isso quer dizer que trabalho por conta própria, porra! O balconista veio até nosso canto e pediu que mudássemos o vocabulário ou nos retirássemos do bar, concordamos em falar mais baixo. Malditos fregueses, sempre a mesma história, a mesma desculpa para nos castrar sem motivo nenhum. Um bando de adolescentes ria alto num canto e ninguém reclamava, já um velho como eu não podia nunca elevar o tom de voz que alguém chiava. Nunca entendi essa gente. Preconceito, isso é que era. - Tá, mas eu quero saber o que é exatamente que você faz. - Tá bom, tá bom. Eu sou lingüeteiro. - Lingüeteiro? O que que é isso? - Quer dizer que ganho dinheiro pra fazer lingüete, cara, te liga. Cê não entendeu ainda? Eu ganho a vida lambendo as buceta das madame. Entendeu agora? - Ahh... -... Terminei a cerveja e pedi mais outra, acho que por hora tava livre do chato. Ledo engano. - Quer dizer, então, que você é puto? - Não, cara, não é nada disso, eu ... - Eu quis dizer, cê sabe, garoto de programa, sem ofensa. - Não confunde as coisa, cara. Eu falei lingüeteiro, e não puto. Enquanto um puto ganha cinqüenta pila e tem que fazer o serviço pesado de fuder a mulher, eu pego a parte mais suja e mais fácil, ganhando meu trintinha pra fazer a mulher gozar na minha boca. - Quer dizer então que você não tem que fuder ela? - Não. - Nunca? - Nunca. - Mas às vezes cê dá umazinha? - Só se eu quisesse. - E você não quer? - Não. Ética profissional. Não misturo negócios e prazeres. - Entendo... quer dizer que enquanto um puto ganha cinqüenta pra dar uma foda inteira, você ganha trinta só pra dar umas cutucada com a língua. - É cara, mas cê tem que ver que meu serviço é garantido. Sou profissional, tal, e tudo mais. Eu garanto às minhas clientes maior prazer num lingüete do que em qualquer foda. E nunca tive reclamações, até ela gozar eu não paro. - Ahh... legal! - É... é um trabalho sujo mas alguém tem que fazê-lo. Pedi mais uma cerveja. A cabeça já girava e o estômago não agüentava mais de eu empurrar tanto líquido lá dentro. Levantei e fui dar um mijada. Quando terminei e ia saindo do banheiro deu vontade de novo, voltei e mijei ainda mais uns dois minutos. Sentei de novo no balcão. - Vem cá, cara, me diz uma coisa. - Aahn? - Tú nesse teu emprego aí. - Que tem? - Me diz um troço, cê atende só mulher ou homem também? - Qualé cara? Tá me estranhando. Eu sou macho, viu, sai dessa. Eu falei lingüeteiro, não boqueteiro. Meu negócio é buceta. Peguei minha cerveja e decidi sentar na minha mesa. O tal sujeito ficou me olhando, preferi ignorar. Tomei a cerveja. Fiquei dando um tempo até a próxima que o estômago já tava fudido. Fui umas duas ou três vezes ao banheiro. Enquanto isso via a mulherada passar. Todas emplumadas, voltando de festas em que não agarraram ninguém. Freguesas em potencial. Pedi um uísque. Lá pelas tantas lá veio o chato de novo me incomodar, sentou na mesa, isto é, na outra cadeira da mesa: - Pô, meu, desculpa aí. Não quis te ofender ou incomodar com aquela pergunta. - Não esquenta. - Não, sério, cara. - Na boa. - É que ... se entende né... não quis insinuar nada... é que pra gente que não é do ramo fica confuso às vezes. - Tá esquece. - É que... tinha outra coisa que eu queria saber. - Fala. - Bem, eu sei que você não é viado nem nada, não é chegado em chupar os outros ou coisa que o valha, tava até reparando de longe que você é do tipo machão... assim sabe, mas me diz uma coisa? - O que, agora? - Bem se um cara quisesse chupar teu pau, e até pagasse por isso, você toparia? Quer dizer, alguém já te propôs isso ou coisa que o vallha? - Não, porque todo mundo sabe que primeiro que me perguntar isso eu vou dar tanta porrada que o cara vai chegar no hospital cuspindo os olhos pelo cú! - Ahh... tá... olha, tem um amigo meu lá. Vou chegar lá falar com ele mais tarde eu volto aí. - Sem pressa. Maldito filho da puta. Covarde, ainda por cima. Eu tava tão bêbado que nem conseguiria me levantar pra bater em alguém. Virei meu uísque pra acalmar e pedi cerveja. Melhor voltar pra algo mais leve, não tinha arranjado nenhum serviço ainda naquela noite. Uma, já lá pelos cinquenta, sentou enfim na mesa e conversamos. Mais tarde combinamos o preço e fomos pro carro dela, pagamento adiantado, claro. Pagou trinta e mais minha conta no bar, ainda, que não devia estar nada baixa aquela noite. Serviços especializados. Essa era a vantagem das grandes cidades. Quanto mais crescia mais os serviços se especializavam, chegando ao ponto de uma mente brilhante e criativa como a minha conseguir criar meu próprio segmento, o do lingüete. Daqui a dez anos eu provavelmente não agüentaria mais o esforço do lingüete, mas até aí a cidade teria crescido e eu poderia me especializar mais ainda: seria dedeiro, e deixaria que meus dedos fizessem todo o esforço dando enfim um descanso a minha língua. Eu era bom nisso também, e com a tremedeira da bebida a tendência era melhorar. Especializar... podia não parecer muito digno mas, na minha idade, era tudo que capitalismo tinha pra me dar. Ou isso ou sarjeta. Lambidas boas e dedos ágeis ou a morte, o resto não interessava ao sistema.
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