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O fim

Eu estava triste. Triste e louco. Insano. Perdido entre as confusões minhas e da realidade tênue que ameaçava desembarcar em meu mundo. Tudo girava e conspirava, gritava contra meu senso de estética e de justiça. Tudo o que eu sabia é que havia uma longa linha temporal, uma linha literária, separando o joio do trigo, que começava em Sófocles, depois Shakespeare, Poe, Bukowski e, finalmente, Fausto Wolff.

Fazer o quê? Não tinha culpa. Meu único mal era a juventude, que me fazia pegar aqueles livros antigos e novos que gritavam em minha cara: Isso é muito Bom!!!!!

E eu devorava, e mergulhava, e viajava e assimilava todos aqueles milhares de conteúdos e informações e dados e suposições para, enfim, rasgar o livro, esmagá-lo, jogá-lo contra a parede, bradando mil vezes Filho da puta! Filho da puta!, indignado pela certeza de ter achado um desgraçado bom o suficiente e que escrevesse melhor do que eu.

Nas noites, ah sim, nas noites solitárias, em que a mulher me dava descanso eu fugia, me refugiava em meu quarto e minhas teclas de computador, brilhando à luz da tela mágica, à luz do monitor que, imparcial, serve tanto aos feitos bons quanto maus.

Lembrava então de mulheres e paixões e bucetas e dúvidas e tristezas e incertezas e raivas e desordens. Lembrava meu melhor amigo beijando minha esposa, minha mulher, a pessoa por mim mais amada no mundo, e voltando depois pra se queixar que não tinha sido bom, suficiente, decente, interessante, útil ou agradável.

E minha ex-mulher, digo, minhas ex-mulheres, como não podia deixar de ser, me ligavam sempre e me pediam conselhos, mandavam beijos, diziam que me amavam e nunca, nunca uma vez sequer, davam uma única explicação do porque me deixaram.

Eu me sentia como o lixo seco e velho, esquecido na chuva, à espera de uma boca faminta e misericordiosa para devorá-lo. Eu vivia num país de terceiro mundo, conceito criado por uma elite disposta a manter as desigualdades sociais. Eu me revoltava com a fome, a dor, a miséria e a desgraça humana que se abatia diariamente sobre as pessoas normais. Eu vendia minhas dores num poema e na rua. Vendia minhas mágoas numa canção de beco. Sofria o caos da cidade. Sentia o sono, torpor, a dormência, que a dor prolongada por fim nos traz à pele, às faces, aos músculos e à alma, o espírito.

Sentia em meus olhos a força da lágrima que se precipitava, não por mim, mas por aqueles que eu amava e há muito tempo mereciam chorar. Chorava vazio, perdido, confuso e sem saber em quem acreditar ou em qual opinião era melhor sobre quem eu devia ser, acreditar, vestir, imitar, pensar, viver, fantasiar, existir.

Rasgava as correntes e barreiras que me prendiam, sempre descobrindo, em seguida, o preço a ser pago.

Um dia acordei. Olhei por fim ao redor. Encarei de frente o fantasma do Niilismo que me assombrara a vida toda, impedindo-me sempre de juntar-me, identificar-me, associar-me aos demais para com eles viver. O mesmo fantasma que fizera com que, um dia, eu amasse uma mulher, mas nunca a tocasse ou falasse ou me aproximasse.

Chorava eu, enfim, um ser covarde abandonado na chuva e no frio da solidão. Sonhava com o futuro que há de sempre nos trair e apunhalar. Sonhava com esperanças vãs que eram a única razão de se continuar a viver.

Antes de morrer encontrei um velho, que com seu sopro tumular e quase inaudível abraçou-me, beijou-me as faces e me disse: A vida é a isso e pronto! É enrabar a mulherada! Finalmente meu lábio adormeceu, senti uma mão fria pousar em minha testa úmida e ouvi o choro de todas as mulheres cujos maridos não ajudei a trair. Senti o gozo e orgasmo de toda uma existência que se despede da terra e soube, por fim, que o mundo havia mudado, e toda mutável é a roda da fortuna.

Por fim chegou a escuridão, o caos. A plenitude, enquanto nada.


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