O Velho Blues
Era como dizia o velho Blues: "Acordei de manhã, fui tomar meu café , isso é mais um motivo, pra bater na mullé".
Mas o fato é que olhei em volta e descobri: eu não tinha porra nenhuma de mulher. Olhei em volta e perguntei-me: mulheres, onde estão?
...
Foi aí que a porra da crise começou. Eram três e meia da tarde, eu acabara de acordar, e começava agora a lembrar o dia de ontem.
Andava precisando de dinheiro, e foi isso que me fez pegar dois empregos, um a tarde outro a noite (de manhã nem pensar). De noite trabalhava num açouge, fatiando boi, e a tarde trabalhava de babá, prum casal rico que ia trabalhar e me pagava a maior grana pra cuidar do moleque enquanto isso. Tudo ia bem... até que ontem, lá pelo meio da tarde, o telefone tocou.
- Alo?
- Alo, Anacreonte?
- É ... quem fala?
- Aqui é a Sílvia... não lembra de mim?
Milhares de Sílvias pulularam na minha cabeça e minha memória se agitou que nem velha com hemorróidas, mas nada adiantou e eu continuava sem saber quem me ligara...
- Lembro, é claro. Como vai?
- Tá a fim de beber?
- É claro!
Beber era o Grande Objetivo da vida no fim das contas, não tinha como não estar a fim.
- Me encontra no Silva daqui a meia hora
- É claro... - aí eu lembrei do moleque, emprego a noite e tudo mais, tentei mentir - mas não sei... meu pâncreas, o médico disse...
- Eu pago!
- Tudo bem! Vamo lá.
Tranquei o garoto no banheiro e saí fora... depois eu dava um jeito de ajeitar as coisas... eram seis horas e faltava ainda mais uma hora pro meu próximo emprego, tempo suficiente pra beber.
Cheguei no bar e logo ela me abanou. A princípio não reconheci, mas a imagem de uma bela morena oriental, bêbada, lá pelos seus trinta anos, com um decote e uma saia generosos, me fez ficar.
Sentei e ela começou a pagar bebida. E eu, é claro, passei a noite inteira olhando aquele par de peitos e pernas e bebendo. Ela tinha sido Miss Reveillon 92 (seis anos faziam agora) e eu a conhecera a pouco tempo num bar. Ela falava, e falava, e falava, e aos poucos eu lembrava. Um ou outro fragmento, aqui ou ali, perdidos na memória, vinham à tona.
Meu priapismo me incomodava, aquele movimento do bar me incomodava, as milhares de pessoas que andavam pelas ruas eram tolas e me incomodavam, mas nada disso importava agora. Afinal, eu era Anacreonte. E mais do que isso, eu tinha cerveja. E mais do que isso, eu tinha um belo e farto par de peitos para ficar olhando, graças a um decote generoso. E mais do que isso, eu bebia à vontade, e isso quer dizer que eu bebia muito. E mais do que isso, era tudo de graça, os peitos e a cerveja.
A dona falava e eu balançava a cabeça e concordava. Aí ela pedia mais cerveja. Não tenho a mínima idéia do que ela falava, mas isso não importava. Só o que fazia sentido era que eu era eu outra vez, e que estava sentado, bebendo, com a Miss Reveillon 92 e, o melhor ainda, tudo de graça.
O bar fechou. Fomos para outro bar. Este também fechou e fomos para ainda outro, que não me deixou entrar quando viu meu estado. A Miss Reveillon me olhava, a essa altura, com certo desagrado e distanciamento... nojo pra falar a verdade. Com isso me poupou de uma desagradável noite de exploração sexual e deixou-me sair ileso.
Peguei um ônibus e parei pra avaliar a situação. Tudo bem... eu tava bêbado, eram onze horas, e eu tinha um emprego pra ir que já tava três horas atrasado. Sem problemas. Desci no centro e me arrastei pro açougue... amanhã era segunda e milhares de velhinhas estariam ali cedinho pedindo um bom pedaço de carne pro atendente, que eu habilmente haveria cortado durante a madrugada. Sem problema.
Sobre meu cartão havia um recado.... dessa vez eu havia extrapolado e este era meu último dia de emprego. Sem problema, achei eu, na hora. Continuei normalmente, tentando disfarçar a embriagues e fazer meu trabalho. Joguei a carne no chão, e fiz como sempre fazíamos: levantei um extremo, botei o pé em cima do outro, prendendo-o, e parti o naco pela metade.
Acabei de madrugada, peguei meu último pagamento e vim embora. Tinha perdido meu emprego da noite, provavelmente o emprego do dia (que eu estaria feliz se escapasse sem um processo por ter trancado aquela peste no banheiro durante algumas horas) e, mais uma vez, não tinha comido ninguém. Mas no fim das contas nada disso era problema, afinal eu era eu, tinha bebido novamente, estivera ao lado da Miss Reveillon 92 secando seu belo bar de peitos e, o melhor, tudo isso de graça.
É ... viver era foda, alguns diziam. Antes fosse... fuder até que valia a pena.
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