Retorna ao início
----->contos do fonjic<-----
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998

Puteiros e bebidas: a horizontalidade ao alcance de todos

Concordo... qualquer um que já tenha tentado transar de pé, sabe afinal da importância das camas. Senão delas, daquele colchãozinho manhoso jogado no chão, ou pelo menos aquele cobertor grosso que pode ser estendido em qualquer lugar. O importante mesmo é a manutenção do princípio da horizontalidade.

Por que falei nisso? Ora, todos sabem que a horizontalidade é a negação de algo, enquanto a verticalidade é o positivo, a afirmação. O que me leva a reflexão: o que negamos quando transamos?

Imbuído de espírito científico, eu, nos meus quinze anos, joguei-me ao mundo disposto a desvendá-lo. Minha primeira noite me levou ao puteiro da Détinha, que ficava discretamente escondido numa ruela no pé do Morro da Cruz. Na entrada do puteirinho, que não tinha nenhuma placa ou indicação, parecia uma casa qualquer na qual se tocava a campainha e entrava, pois bem, bem na entrada, como eu falava, tinha um corredor em L com cerca de um metro, onde, no canto, repousava uma imagem de Maria.

Passando o corredor, uma sala agradável, fedendo a mofo, cigarro e bebida, semi-iluminada, sempre com um mínimo de três garotas desacompanhadas (coisa que era motivo de orgulho da Détinha) servia para acolher o viajante. E eu, na minha juventude, por mais noites que passasse naquele local, ainda assim não havia descoberto o porque da horizontalidade ou, ainda, reformulando, a negação essencial.

Cresci. Comecei a fumar. Comecei a ler e vagar perdidamente nas noites, tossindo como um tísico. Um ano já que eu me lançava toda noite à aventura frenética da descoberta, e embora não freqüentasse mais a casa de tolerância da Détinha por não ter mais o dinheiro necessário, ainda era pra lá que se dirigia sempre meu pensamento sonhador. Comecei a freqüentar outros puteiros, comparar as putas, os quartos, as posições. Alguns tinham um visual gótico, outros eram claustrofóbicos, alguns excessivamente artificiais, alguns aconchegantes. As mulheres, em geral, eram menores de idade, vindas do interior para satisfazer o pau dos homens de meia-idade da capital.

Não raro, se encontrava na casa algum político ou empresário importante. Não raro, alguma garota acabava se apaixonando por algum rapaz mais novo que por lá aparecia e terminava sendo despedida. Não raro alguma garota adoecia, ou morria em alguma clínica de aborto. E a polícia, é claro, havia garantido para si o direito de freqüentar a casa de graça.

Comecei a escrever. Escrever versos. Versos sofríveis de amor e angústia. Meu sofrimento derramava-se de forma tão totalitária, que o mesmo podia ser sentido por qualquer um que tentasse ler um de meus versos, tão mal escritos estavam.

À noite, quando a sombra do choro começa a brotar, não sei se vindos de mim ou da mulher que eu deixava, eu corria para o próximo puteiro ou leito feminino que pudesse encontrar. Foi nessa época em que habituei-me a visitar e mulher de um vigia noturno, que me esperava de portas abertas sempre que o marido saía para trabalhar. Um dia, tendo descoberto tudo, sacou ele o revólver e matou-a, espalhando em botecos a notícia que eu seria o próximo. Tratei de sumir por uns tempos.

Dezessete anos. Eu sentia que estava morrendo. Dois anos já que eu me encontrava nessa luta extraordinária em busca de uma resposta. Dois anos de fugas de leitos, de brigas em ruelas noturnas, uma facada na perna que inflamara e quase me matara, um pulmão que mais se assemelhava ao de um velho marujo do que àquele que um dia eu tivera.

Por dormir na rua, algumas vezes a polícia me recolheu ou fui parar no hospital, quase morto de hipotermia. Ainda assim, minha dúvida me corria e me impulsionava pra frente, tentando desvendá-la, aquecido somente pela febre da loucura, dopado pela insensibilidade da fome. Famélico, sujo, desesperado, louco! Agachei-me num beco escuro atrás de um monte de entulhos, segurando nas mãos a pesada garrafa com a qual pretendia acertar minha vítima. Ouvi os passos se aproximando. Pulei detrás de meu esconderijo e antes que ele, um senhor de quase setenta anos, pudesse esboçar qualquer reação, golpeei repetidas vezes seu crânio, até que o sangue começasse a fluir na calçada onde jazia o corpo.

Parei desesperado. A febre me dominava mais e mais. Revistei o corpo e, com sorte, achei uma carteira com quase trezentos reais, três notas de cinqüenta dólares, moedas e um relógio no pulso que devia valer mais trezentos pila no mínimo.

Peguei tudo e saí correndo. Não sabia para onde ia ao certo para onde ia, quando a coisa toda começou a clarear na cabeça.

Entrei no puteiro da Détinha. Fui logo deixando toda a grana no balcão e exigindo a melhor puta e uma garrafa de uísque. Uma morena, a mais linda que já vi na vida, veio me beijando e me levou pro quarto. Eu estava tomado por uma excitação desesperada, uma loucura que não podia ser barrada, detida ou desviada. Comecei a morder-lhe os lábios e tirar-lhe as roupas. O nome dela era Ana Anjo, e nós dois bebíamos a largos goles o uísque.

Comecei a me atracar com ela ali mesmo, em pé, ao lado da cama. Ela me segurou, me olhou e perguntou:

--- Meu benzinho... você é uma graça mas tem algo que preciso te falar: eu tenho uma inflamação no canal vaginal, já com um pouco de pus e descamação, além de uma sífilis mal curada. Você ainda tem certeza que quer fazer isso?

A febre da loucura fazia com que meu corpo todo latejasse e se jogasse naquela mulher em busca do prazer máximo. Mas do fundo do que um dia fora minha consciência, uma vez veio forte e com coragem disse a ela:

--- Não!

Ela sussurrou algo como "tarde demais!". E dito isso me empurrou contra a cama onde, enquanto eu pensava o que fazer, ela pulou sobre mim e transamos pra valer por mais de hora. Naquele momento, eu compreendi algo sobre horizontalidade e negação, mas seja o que for, acabou me escapando da memória quando, no outro dia de tarde, acordei de ressaca, ainda no puteiro, e saí de lá direto para o médico.

E, apesar da importância que vejo nas camas e colchões, nunca mais quis saber de perguntas sobre horizontalidade ou sobre negações.


----------x----------

Para ler mais deste autor visite também:
http://uretrite.blogspot.com/
http://br.groups.yahoo.com/group/fonjic/

Clique aqui para cadastrar-se e receber contos de fonjic por email
Receba contos de Fonjic por email

Consulte
Spectro Editora
para ler sobre Charles Bukowski