Retorna ao início
----->contos do fonjic<-----
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998

Cerveja gelada sem velas no cu

Era gente boa, embora tivesse o hábito de agasalhar a trolha dos outros no frio do inverno. Desde que não tentasse agasalhar a nossa, tudo bem.

Valdecir, era o nome dele. Fazia uns bicos como falso garçom no bar do Panke. Trazia e levava cerveja, até que arrumasse confusão com algum cliente e o dono do bar o expulsasse. Tinha quarenta e namorava uma menina de vinte e cinco, embora se gabasse do hábito de comer o técnico do Figueirense. Como era um desses casais moderno que se vê por aí, a moça não se importava.

Estávamos em quatro pessoas na mesa no dia em que ele botou o pau pra fora e veio correndo em nossa direção. Falava sobre Nietzsche e balançava seu Zaratustra, enquanto a multidão tentava controlá-lo. Bêbado no cio é pior do que freira em oficina mecânica.

Essa foi a última vez que o vimos antes de o encontrarem morto. As circunstâncias já são do conhecimento de todos: domingo de tarde, encontrado nu em seu quarto, deitado de bruços, com uma vela enfiada no cu e as paredes cobertas de trechos de oração escritos com o sangue dele. Mais uma vítima do Padre Assassino. A quarta. Como de praxe, seu pênis fora arrancado e por ali se colhera o sangue para as escrituras. Os católicos faziam mais uma vítima.

O enterro ocorreu na segunda. Vala de indigente. Bêbados, prostitutas e demais animadores de velório assistiam de forma muda a cena. Carregando o caixão estavam Helô, a namorada, e um choroso senhor imerso em profundo pesar, que cancelara o treino do time para poder estar presente na ocasião.

Era um mundo estranho. Naquela semana, na sexta-feira, voltamos ao bar. Uma atmosfera de suspense espetava o ar: entre os fregueses algum iria certamente morrer. E pior, um, entre os fregueses, era o terrível Padre Assassino. Quando chegou a meia-noite, um murmúrio de vozes se fez ouvir ao longe. Empunhando tochas e foices, um grupo de religiosos se aproximava do local, decidido a exterminar todos. Ficamos assistindo imóveis a aproximação do fanáticos. Cercaram o local, e com suas tochas começaram a atear fogo nas frágeis tábuas do bar do Panke.

Como que despertados pela súbita consciência da morte iminente, começou o pânico. Bêbados rolaram pelo chão, garrafas se quebraram, fregueses partiram para a luta com os religiosos e um grupo de Punks baixava as calças, como se com isso pudessem dispersar o conflito.

Nós estávamos sentados, bebendo. A cerveja estava gelada. Estávamos em quatro na mesa. Um de nós podia ser o Padre Assassino ou não. Com um olho nos vigiávamos e com o outro vigiávamos o movimento no bar. Além de nós apenas outro freguês parecia inalterado: um senhor de sessenta anos, cabelos brancos, barba feita e sobrancelhas espessas. Ele tinha que ser o assassino.

Assim que concluí isso olhei para os outros. Nossos olhares expressaram uma concordância mútua, sim, era ele. Era minha vez de pegar cerveja, o que significava que era eu que teria que matá-lo. Além disso, teria que me levantar de qualquer jeito pois precisava ir no banheiro. Terminei a cerveja. O velho continuava imóvel. Me levantei. O velho olhou para mim e sorriu. Era isso então, o sorriso da morte. Mas velho nenhum ia enfiar uma vela no meu cu e sair por aí escrevendo frases santas. Peguei a barra de ferro que estávamos carregando para a ocasião e me aproximei do velho. Ele sorria com seus poucos dentes quando comecei a golpeá-lo. A cabeça foi o primeiro local a começar a sangrar, e continuei golpeando enquanto ele gemia no chão se torcendo de dor. Quando parou de se mexer enfiei a barra de ferro no seu tórax, trespassando o que deveria ser o coração. Fui no banheiro. Mijei. Na volta peguei outra cerveja. Lá fora o conflito havia terminado e as chamas apagadas. Se era mesmo o Padre Assassino ou não nunca soubemos, mas posso afirmar que até hoje marmanjo nenhum enfiou vela no meu rabo.


----------x----------

Para ler mais deste autor visite também:
http://uretrite.blogspot.com/
http://br.groups.yahoo.com/group/fonjic/

Clique aqui para cadastrar-se e receber contos de fonjic por email
Receba contos de Fonjic por email

Consulte
Spectro Editora
para ler sobre Charles Bukowski