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Numa época de espera

Ando, novamente, de um lado pro outro da casa, nervoso. Ansiedade, seria a melhor definição, uma vez que estou trancado aqui pela mulher.

Tem sido assim todo dia ultimamente, ela sai e me deixa trancado dentro de casa, com medo que eu saia comendo suas vizinhas ou telefonando para outras mulheres virem me ver. Tudo isso só porque, outro dia, enquanto ela trabalhava, peguei a agenda dela e saí ligando para todos os telefones de mulher que encontrava, convidando-as para dar umazinha. Na verdade, não foi só uma única vez que eu fiz isso, poderia se dizer que era já um hábito consumado até que ela descobriu.

Não, não foi nenhuma, maldita amiguinha dela que deu com a língua nos dentes. Todas elas, todas sem exceção, nunca falaram uma palavra. Algumas levavam na brincadeira e deixavam a coisa morrer, outras não vinham, mas se masturbavam no telefone comigo enquanto seus maridos trabalhavam. E, ainda, algumas poucas, que topavam a parada e vinham me ver, passando a tarde inteira na cama. Essas eram, em geral, as amigas mais íntimas de Raquel (minha mulher), que já me conheciam e já tinham ouvido a amiga falar do desempenho meu e da minha língua numa cama.

É, mas como eu disse, não foi nenhuma delas que me entregou. É que eu fui ficando tão entusiasmado com a festa, que cada dia avançava algumas letras a mais na agenda dela em busca de novas amiguinhas. A merda foi justamente na letra T. Liguei para tal de Tânia e, papo vai, papo vem, geme de um lado e de outro, e, de repente, a velha descobre minha voz. É, velha, porque a Dona Tânia vem a ser justo a mãe de Raquel.

Pois é, tem dois meses isso, mas como diz o filósofo Dom Véritas, mulher perdoa mas não esquece. Ainda mais Raquel, que não admite qualquer perda de desempenho na cama e já andava inclusive um pouco desconfiada antes de ter descoberto a jogada.

Ahh... Marize, Marize era uma coleguinha dela de ginástica na academia, e é a única da qual realmente sinto a falta. O corpo perfeito, desde os lábios até a coxa e tudo mais que acompanha. Perfeita, ao contrário de Dona Tânia.

Ando prum lado e pro outro. Raquel só não me abandonou porque mesmo assim dou pra ela tudo que ela precisa: sexo e poder. Controle. Uma vez doutor Sig falou que a estrutura familiar é responsável pela formação da psique do indivíduo. Falou do complexo de Édipo, que faz com que o homem case com uma mulher para alcançar aquele local de poder e posse da mãe que o pai possui. Falou do complexo de Elektra também, mas o que ele acabou não falando, até porque na época isso não era claro, foi da perspectiva da mulher em casar para ser dominada. Isso não é necessariamente verdade, mas o inconsciente coletivo, o estereótipo na sociedade, ou até mesmo o que fica gravado no inconsciente da menina é que, por melhor que seja o marido e o casamento, ela sempre vai estar na situação de explorada e dominada, contra a qual ela deve lutar.

Talvez nos dias do Sig isso não fosse assim tão forte, mas hoje em dia era. Mulher nenhuma conseguia entender, mas mesmo assim se sentia profundamente infeliz em qualquer casamento ou relacionamento que tivessem. Expliquei isso pra Raquel, esperando que isso a fizesse mais feliz e menos autoritária. Mais feliz fez, mas invés de menos passou a ser mais autoritária, uma vez que tinha agora algo que justificasse.

De qualquer forma, ela já está demorando demais. Nem sequer foi trabalhar, pois é sábado, só ia na venda comprar comida e já voltava, mas mesmo assim achou melhor me trancar para evitar o vexame de eu tentar sair comendo alguma vizinha desavisada. A meu pedido ela vai trazer bebida também: vinho, cerveja e vodka. Afinal, bebida é o que tem mantida minha sanidade para ficar esses meses trancados sem trepar com ninguém a não ser Raquel.

E toda a noite ela me cobra, pelo menos duas horas de atividade na cama. E mais uma pela manhã, senão ela não consegue trabalhar direito. Ela tem ficado desconfiada que me masturbo, suas revistas de moda têm aparecido amassadas ou até com algumas páginas rasgadas de vez em quando. É, confesso, confesso que realmente tenho me utilizado delas para extrair alguns momentos de prazer solitário durante a tarde. E confesso que realmente tenho perdido interesse na Raquel, em prol daquelas maravilhosas mulheres de papel. Tem um garoto do andar de baixo que me prometeu arranjar uma revistaria de putaria mesmo, mas pra isso ele que vinte pila. Eu vou pagar, é claro, não só pela revista mas também pelo sigilo. Toda noite checo os bolsos de Raquel quando ela chega da rua, em busca de uns trocados. Já tenho quase cinco reais em moedas e, pasmém, uma nota inteira de um real. Acredito que em três semanas terei os vinte pila.

Anda de novo, ando, ando. Penso em me masturbar, mas confesso que já estou todo esfolado. Ponho som alto, bebo perfume e, como último recurso, comecei agora esse diário íntimo que espero manter secreto. Tenho que tomar cuidado, ela pode chegar, ela pode chegar, a qualquer hora. A aí vamos trepar até cairmos de cansados, comer, voltar a trepar, dormir, acordar e trepar de novo. Esse fins de semana têm sido desgastantes, e não sei quanto tempo mais vou aguentar...

Xiii, aí vem ela. Agora está escrito. Fim.


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