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Apenas mais um triste caso

Quem nunca agarrou uma mulher feia que atire a primeira pedra. O fato é que ele era jovem e ingênuo, e quando parou para dormir naquele colo nunca imaginou que aquela caricatura de mulher lhe assombraria o resto da vida, em pesadelos acordados que começaram a se interpor entre ele e a realidade.

No primeiro dia ele tentou ignorar. Mas aquela imagem voltava sempre à sua mente e ele não podia evitar a náusea. Um dia acordou sobressaltado. Com o coração batendo pesado foi até a cozinha descobrir que barulho era aquele que de lá vinha, e quando se deparou com o horror não teve outra alternativa senão exclamar a famosa frase de Aristóteles: "puta merda, me caguei de novo!". Uma enorme vulva chifruda pairava no ar, estampando no lugar do clitóris a face horrenda daquela mulher e, encimando os chifres, uma seta vermelha que apontava para ele. Ele era o segundo homem que conseguia vislumbrar aquela imagem sem que a morte o levasse de forma fulminante, com a diferença de que Freud, que a vira primeiro, acabou se tornando viciado em ópio na tentativa de apagar tal desgraça da memória.

Mas não ele. Ele é o herói desta história e, consciente do papel histórico que ali desempenhava, tomou fôlego e bradou:

--- Quem és tu?

A vulva chifruda pareceu se abrir e um muco jorrou no chão da cozinha. Uma voz soou lá de dentro dizendo:

--- Eu sou a buceta-mãe, a não-lambida, a buceta-pai.

--- O quê?

--- Sim. Sou as três coisas e ao mesmo tempo sou cada uma. Eu inspirei os cristãos na sua trindade, inspirei os cabalistas, os judeus, maçons, muçulmanos e até mesmo Gandhi.

--- Conta outra... Quem iria idolatrar um monstrengo assim?

--- A não-lambida não deve ser idolatrada, ela apenas é, sem existir.

--- Tal coisa não é possível.

--- Tudo é possível para mim.

--- Tá querendo me deixar louco com esse papo?

--- Não. Você já está louco!

E sumiu de repente, deixando no ar apenas o odor de bacalhau defumado e os gritos de pânico e desespero dele.

A partir daí sua vida entrou num ciclo de desgraças que o foram atordoando cada vez mais. Perdeu o emprego, perdeu a carteira, perdeu as chaves de casa e começou a dormir na rua. Perdeu o gosto pela bebida, pelas mulheres e, enfim, pela vida. Acabou seus últimos dias recitando trechos da constituição para os animais no meio do mato até que, não se sabe se caiu ou atirou-se, mas foi encontrado morto com várias fraturas ao pé de uma ribanceira no Cambirela. Os poucos amigos que ainda lhe eram fiéis tomaram um porre e o enterraram no mar, numa jangada pegando fogo, junto com um cachorro, que não tinha nada a ver com aquela história, mas acabou morrendo queimado do mesmo jeito.


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