De como quase fui bem-sucedido
São engraçadas certas coisas. Os quatro
cavaleiros do
apocalipse, por exemplo... não sei porque,
mas sempre me identifiquei
mais com a peste. A morte, é claro, sempre
foi a mais interessante
figura, e tem belas coxas também, segundo
Bukowski. A guerra era algo
um tanto trabalhoso demais e a fome
simplesmente não combinava com
meus quase cem quilos.
Não, de fato não, eu deveria ser a peste, a praga, com todo
seu sofrimento arrastado, sua maldade oculta, sua soberba impassiva.
Como um Nosferatu atravessando as cidades, como as belas pandemias,
como as loucuras e neuroses que se espalham hoje em dia.
Mas é claro que um dia o toque de Midas ao contrário iria
falhar. Eu era o câncer lutando contra a gonorréia, e ela, a
gonorréia, escolhera alguém realmente muito forte para representá-la:
Lili, a trapezista.
Lili tinha vinte anos, mas não era bela. De fato, nem o mais
bêbado dos cortejadores arriscaria mentir de tal forma chamando-a de
bela. Não que ela fosse somente monstruosa, mas a completa falta de
higiene ajudava a ressaltar o completo efeito de sua feiúra.
Lili, em vinte anos, já tinha espalhado na praça mais de 120
doenças sexualmente transmissíveis diferentes, isso sem falar nos
terríveis espécimes de chatos pelos quais ela era afamada. Ah, Lili,
ainda assim, irresistível Lili.
Eu estava num balcão de bar quando chegou minha vez de ser
emboscado. Eu tomava minha cerveja e via uma porcaria qualquer que
passava na tevê. Ela veio. Me cumprimentou. Começou a puxar papo. Meio
a contragosto eu respondia, mas a repulsa que ela causava era tanta
que isso me acalmava, me reconfortava, me fazia ter a certeza de que
ao menos ela eu nunca tentaria agarrar. Nessa época eu estava
tuberculoso e trabalhava numa creche como voluntário. De noite eu
freqüentava bares como esse onde eu estava agora, com a certeza de que
os pulmões alcoolizados seriam presas mais fáceis para meu contágio.
O leitor, por favor, não me leve a mal nem se espante. Pode
parecer cruel andar por aí espalhando doenças para bêbados e
criancinhas, mas isso é o mínimo que se pode esperar de alguém que
trabalha sem receber. Ou porque você acha que existem "voluntários"?
Por que as pessoas não conseguem ficar sem trabalhar? Não, claro que
não. Todos estão lá para pegar alguma coisa. Assim, enquanto eu
simplesmente cumpria meu humilde papel de espalhar o contágio, ao
menos não fazia como os outros voluntários que em geral buscavam
naquele serviço a satisfação sexual secreta com crianças que nada
poderiam contar aos pais. Posso, pois, considerar-me uma boa pessoa,
apesar da difícil tarefa que me incumbiu o destino. Quanto aos
bêbados, sim, até chego a corar, mas toda profissão tem seu lado
cruel.
Mas eu falava de Lili. Lili me embriagou e começou a usar de
estranhos subterfúgios que eu desconhecia. Não era a bebida, mas com
certeza algum método hipnótico que sua voz aguda usava para aos poucos
me acostumar com a idéia de ter nas mãos aquele par de peitos
gigantescos (segundo um amigo que morrera de sífilis, tinha dois
quilos cada seio). Lili, com seus dentes caídos, seu hálito de
especiarias orientais esquecidas mil anos no fundo do mar, Lili da
pele que grudava, como se revestida de estranho limo, Lili, a
trapezista de camas, que cobrava um real a chupada e dez a rapidinha
no matagal nos fundos do bar, Lili, da qual num erro juvenil eu me
julgara livre, me fez então a proposta irrecusável:
--- Vamos lá trás que eu te dou de graça!
Eu era jovem. A juventude é fraca. E a fraqueza é afoita. Essa
era uma proposta que eu esperava há muito tempo. Eu ia sair da seca,
eu ia me dar bem, eu ia virar um grande comedor de mulheres. Fomos lá
trás e fizemos a coisa. Por algum estranho truque ela mexia sua
musculatura vaginal de tal jeito que, quando meti, senti um monte de
coisas deslizando, como se fossem vermes, minhocas e baratas. Um
truque realmente impressionante, e até hoje é nisso que tento crer. E
foi assim, que eu, que ia tirar o pau da lama e começar um carreira de
comedor, tive que passar um ano tomando remédios e sem comer ninguém,
vendo o pau quase derreter e ficar oco como uma esponja, tendo que
limpar as secreções de hora em hora.
Depois dessa mandei a dona peste pra puta que pariu e larguei
os empregos de merda e minhas funções cavaleiro.
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