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Mesmo em noite quente há coisas piores que cerveja choca

--- Pode até ser que alguém não concorde, mas trepar num fusca é foda. Tem gente que gosta sabe, tem gente que trepa em banheira, em árvore, mas fusca é foda. O saco fica roçando no freio de mão, as molas do banco geralmente tão fudida...

--- ééé, é terrível.

--- Tem gente que gosta, eu nunca experimentei, sabe como é, mas...

--- Terrível o que aconteceu com a minha filinha...

--- Putz, é a terceira vez que você volta a esse assunto. Olha, como eu ia dizendo, pior que comer alguém num fusca só ser enrabado num fusca. Não que eu saiba, nada disso, o que eu tô querendo dizer ...

Essa conversa tava realmente um saco. Puta que pariu dez anos que eu não via o cara e justo hoje ele me aparece e fica aí se lamentando da filha. Eu tava no tal de café Pâtissant, uma bosta pedante freqüentado por intelectuais consumados. Eu estava realmente deslocado ali, meu lugar de costume era no bar do Bangue, que tinha esse nome porque o dono era fissurado nos faroeste antigo e toda noite tinha um banda que tocava a trilha musical dos grandes clássicos, como "Dólar Furado", "Silverado" e "Pistolero del Giq".

Minha úlcera começou a cutucar lá do fundo. O cara voltou a falar da filha. Olhei pro lado em busca de algo mais interesante e tudo que eu achei era um artista expondo seu trabalho e querendo convencer os outros de que fazia algo realmente revolucionário: arte com grafunchos. Segundo o cara ele já tinha mais de mil quinhentos fios com pedacinhos de merda pendurados e aceitando colaborações. Preferi voltar ao Zanorréia.

Zanorréria era o apelido dele. Havíamos nos conhecido no colégio e de vez em quando ele aparecia. Costumava beber às custas da gente e, quando ficava devendo muito, sumia de novo por uns anos. O apelido vinha do sobrenome dele, Zanahoria, que é espanhol ou tupi, sei lá. Como ninguém acertava nunca o nome dele, acabou virando Zanorréia, que combinava bem mais com ele. Além de tudo era o cara mais pão-duro que eu já havia conhecido, sua maior frustração era não conseguir enriquecer e entrar para a elite dos que cagam numa cobertura de trigésimo andar sem saber na cabeça de quem vai cair a água da descarga.

Definitivamente, eu não estava no melhor dos humores. Finalmente me dei por vencido e deixei ele contar a tal história.

--- O que tem a tua filha afinal, porra?

--- Tadinha... onze anos, só onze anos.

--- Sim e daí?

--- Daí que é um desgosto prum pai, onze anos e não é mais virgem.

--- Tu tá se lamentando a noite inteira só por isso? Merda, hoje em dia dificilmente alguém chega aos dez virgem.

--- Eu sei, eu sei, mas eu vi tudo entende...

--- Ahn?

--- Eu tive que assistir.

--- Amarraram você e estupraram ela?

--- Não, não. Foi meu sobrinho, um rapaz já pelos trinta anos, mas ainda solteiro sabe?

--- E você chegou em casa na hora em que ele tava lá fincando?

--- Não, eu que convidei, sabe.

--- Quê?

--- É. Eu tinha umas dívidas por aí e um cara me deu a dica. O lance agora é cinema, entende?

--- Cinema?

--- É. Tudo muito discreto. A gente pega umas putas por aí, uma câmera e em uma hora tá pronto o filme. Depois manda pra distribuidora. Se ela aprovar paga cinco mil no ato, senão ela paga só quinhentos e fica com a fita pra editar alguns trechos e usar em propaganda, coisa e tal.

--- Porra, mas como que tua filha foi parar nisso.

--- Eu te falei cara, eu tinha umas dívidas por aí... sabe quanto tá uma puta hoje em dia? Tá custando os olhos da cara. Daí eu fiz uma primeira produção em família, sabe. Negócio caseiro, a gente começa pequeno e à medida que as coisas derem certo a gente expande, contrata funcionário, monta escritório. Mas o início é sempre bom ficar em família, que a gente confia. E não precisa pagar salário, sabe, isso é importante.

Eu sabia que ia me arrepender de ter dado corda, mas a essa altura não sei se dava um soco no Zanorreía por conseguir ser um sujeito tão desprezível ou simplesmente o mandava a merda por ter me estorvado com toda aquela história. Eu precisava descobrir um jeito de me livrar dele.

--- Bem, e o filme, você conseguiu vender?

--- Tá na distribuidora sabe. Assim que eles analisarem me dão um resposta. Eu tô na maior expectativa sabe, minha filha é novinha mas tem um rabo incrível, as coxas firmes e até uns pelinhos nascendo na bucetinha. Espero que tenha valido a pena...

--- Que bom, espero que eles comprem o filme logo. Lembra aqueles oitenta pila que você ficou me devendo?

Zanorréia empalideceu. Como alguém que tivesse visto um fantasma. Falou nos velhos tempos e riu da boa vida que tínhamos, falou da conjuntura econômica do país, guerra na Colômbia, Argentina falida, do arranhão no carro no novo e disse que assim que pudesse ia me telefonar pra gente se rever. Em um minuto e meio já tinha sumido.

Isso ao menos trouxe um pouco de satisfação praquela noite. Pedi uma cerveja e bebi como se estivesse vivo de novo. Bebi o resto da noite sem ser molestado e antes de sair lembrei de ir no banheiro. Dei uma boa mijada. Depois abaixei um pouco as calças, arranquei um bom tufo de pêlos do rabo, tornei a botar as calças, saí e entreguei tudo pro tal artista.

--- Sou fã do teu trabalho cara! Adoro mesmo! Toma aí um pouco pra te ajudar! Com você de artista eu sei que a arte está salva.

O cara se entusiasmou e soltou um gritinho de alegria. Pegou os fios, conferiu pra ver se tinha alguns restolhos de merda ressecada grudados neles e depois pôs tudo num saquinho junto com alguns outros. Queria puxar papo comigo e saber o que mais eu pensava do trabalho dele. Eu disse que era a coisa mais importante feita nesse século e pedi desculpas, disse que tinha que dar uma saída e já voltava. Fui caminhando pra casa e no caminho dei uma boa vomitada. E acho que não foi por causa da cerveja.


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