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Com o cu em chamas

Eu já não suportava mais a história do sujeito. Eu estava no bar do Yanke, e esse era um daqueles caras que tem por lá e costumam vir sentando na sua mesa sem nem sequer pedir. Chegam com uma garrafa de cerveja na mão, te servem um copo pra conquistar simpatia e depois passam a noite inteira contando histórias absurdas e mamando na tua cerveja.

Mas comigo não. Assim que ele sentou eu parei de pedir cerveja. Bebemos a cerveja dele e o sujeito começou a contar das alergias que tem. Era alérgico a tudo. Uma mais absurda que outra. Eu apenas ignorava e tinha plena certeza que em breve ele se cansaria da minha apatia, ou se irritaria com a falta de cerveja e iria incomodar em outra freguesia. Vilnei era o nome do sujeito.

Mas a coisa não funcionou como eu esperava. O sujeito foi trazendo mais e mais cerveja, se remexendo mais e mais na cadeira, e contando histórias mais e mais absurdas. Chegou um ponto em que as histórias beiravam o delírio e o sujeito se agitava freneticamente na cadeira. Então ele se calou por um momento, olhou para os lados e me confidenciou.

--- Mas o pior é a queimação, sabe? Eu tenho uma alergia a cerveja terrível!

O teor da revelação me tirou da apatia. Como podia uma alergia tão horrenda recair sobre alguém. E como podia o sujeito beber tanto, apesar da alergia. Continuei escutando compenetrado.

--- É uma espécie de coceira, né? Vai descendo uma ardência até chegar no cu queimando... Chega lá e eu fico com o cu pegando fogo. Roço em tudo quanto é quina de mesa ou objeto pontiagudo que encontro. Até gargalo de garrafa de cerveja já tentei.

Nesse momento senti nojo da cerveja que tomava. Algo se revirava em meu estômago e eu sentia que essa conversa tomava um rumo imprevisível de mais, ou ao contrário.

--- Tentei caco de vidro também. Cheguei a deixar as unhas da mão direita crescer pra coçar melhor. E quanto mais eu bebo mais o cu queima, é como se o inferno estivesse em festa no meu rabo. Agora, eu já descobri, só tem uma coisa que cura mesmo. Apaga o fogo e deixa tudo calmo por horas...

Nesse ponto o sujeito interrompeu me encarando. Tudo que eu conseguia pensar era em nunca apertar a mão dele, e a história exercia sobre mim tamanho terror que não pude deixar de perguntar em estado semi-hipnótico:

--- O quê?

--- Uma boa enrabada. Meu cu só se acalma depois que alguém atocha sua vara nele. Não me leva a mal cara, não sou viado nem nada, estamos aqui bebendo como dois amigos. Eu só queria que você me quebrasse esse galho, por favor.

--- Ahn...éé... o Yanke tá me chamando! Já volto!

Corri pro balcão do bar e fingi que falava sobre algo importante com o Yanke, dono do buteco. Claro que ele não tinha me chamado, foi apenas a melhor desculpa que pude inventar de improviso. Na falta de assunto ele me empurrou um catálogo com umas homeopatias e remédios caseiros que ele estava vendendo pra complementar a receita do bar depois que o movimento diminuíra. Percorri o catálogo com os olhos fingindo interesse e tentando encontrar uma saída para escapar daquela situação. Da mesa Vilnei me observava se remexendo ainda mais na cadeira. Por sorte achei ali minha salvação. No catálogo dizia o item 12: "Pomada Milagrosa: experimente os poderes medicinais únicos da Arnica, cura desde dor de cabeça até queimação no cu".

Era isso, eu estava salvo. Pedi uma pomada daquelas pro Yanke que me cobrou quinze pila. Merda, era dinheiro pra burro, dava pra quase dez cervejas. Mas ao menos assim eu me livrava da situação e, quem sabe, talvez até ajudasse o pobre coitado. Voltei e falei pro cara que ia ajudar ele. O sorriso de alegre se desfez quando mostrei a pomada de arnica. Ele torceu o nariz, pegou a pomada, pegou a cerveja e foi pra mesa do lado incomodar outro cara.

Não sei se por fim acabou usando a arnica ou não. O fato é que não me incomodou mais. Quando o dia amanhecia e o bar estava vazio parei pra bater papo com o Yanke.

--- Pois é, o movimento tá fraco, né?

--- Ééé. O movimento tá fraco, mas ao menos os remedinhos ajudam. É tudo fajuto isso aí, uma velhinha vizinha nossa é quem faz.

--- E isso dá alguma grana?

--- Depende. Geralmente não vende nada. Mas tem um cara que me dá sorte. Sempre que o Vilnei aparece por aqui eu vendo uma três ou quatro pomada de arnica. Acho que não tem nenhuma relação, mas por mais estranho que seja ele me dá sorte nesse negócio.

Depois disso não disse mais nada. Paguei o Yanke e fui pro ponto pegar o enjoativo ônibus pra casa. Enquanto andava elaborei uma boa hipótese que explicava o porquê da queda de movimento no bar.


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