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A noite insone de Valdemar

Valdemar Antônio acordou suado, embora fosse quase inverno. Acordou a tempo de evitar uma polução noturna, por isso o troçolho meia-bomba como estava. De fato, ele não podia se dar ao luxo de gastar uma ereção. Precisava delas. Precisava para seu ganha-pão.

Valdemar Antônio era escritor. Conseguia escrever às vezes sem a ereção, mas sentia que ela fazia seus textos melhorarem. Ligou seu computador. A máquina mais avançada que tinha, sub-utilizada como um processador de textos ultra-potente. Nela se podia digitar 120 mil TPM, toques por minuto, embora sofrivelmente Valdemar chegasse aos 30 TPM.

Às vezes precisava de uma crise de choro para escrever. Às vezes um cigarro. Às vezes um acesso de riso ou ataque de hemorróidas. O fato é que a ereção sempre fazia o texto fluir mais rápido. Quis aproveitar a oportunidade e reanimar o monstrengo que esmorecia.

Pegou uma revista qualquer de fuleiragem e discou para o anúncio preferido dele, Francesas Taradas. Na foto, duas meninas do interior paulista se fingiam de francesas, segurando um croissant na mão e um consolo na outra. O número vinha misturando algarismos e letras, à moda dos americanos. Valdemar pegou o fone e discou 0800-PREND-ICI.

Uma voz de ascensorista atendeu do outro lado e perguntou se ele estava pronto para o randevú. Com um cigarro numa mão e o brioche na outra ele pediu para prosseguir. O troço custava trê'real por minuto e logo ele desligou, quinze reais mais pobre e com o morituro na mão.

Quatro e meia da manhã.

Olhou para a tela do computador e começou a escrever. O texto era terrível, narrava a aventura de três moleques que saem no mundo a procura de mulheres e acabam sendo enrabados por um Hamster gigantesco numa esquina qualquer da metrópole. Sim, eles viviam numa metrópole.

Valdemar Antônio olhou para o texto e viu sua própria imagem na tela, refletida, enquanto ele lia as tão sofridas linhas. Estava magro, chegara aos 40 quilos. O olho direito piscava intermitente devido a um tique nervoso. Se levantou e foi pro armário pegar um uísque. Oito anos de alegria engarrafada.

Voltou melhor humorado. Iria esquecer aquela história que acabara de escrever e começar outra, mais otimista, sobre uma jovem que perde a virgindade aos vinte e cinco no porão do colégio onde dava aulas. A professorinha traçada, seria o título.

A história fluiu bem, assim como o uísque. O final era tenso e nervoso. Parecia que tudo ia dar certo, de repente, BRANCO. Some tudo. Toda a idéia, todo o sentido, toda a totalidade. Bastava apenas duas linhas para concluir e Valdemar Antônio não sabia como.

Pensou em voltar pro quarto e comer e mulherinha, que dormia, ou melhor, durmia. Pensou em sair, ir ao puteiro da tia Zefa, mas concluiu que a essa hora já estava fechado. Era um trabalho duro este.

Lembrou do Hamster do conto anterior. Nahn... era ruim demais. Muito fantasioso. Valdemar precisava urgente arranjar uma identidade para o enrabador da professorinha, algo empolgante, estranho, bizarro, porém realista. Um Hamster gigante enrabando alguém não cola, não iria agradar os leitores. Era poesia de péssima qualidade.

Ficou agitado, agoniado, angustiado. Resolveu ir à cozinha, alguma coisa sempre acontecia na cozinha, lá ele descobriria como terminar o conto. Entrou no ambiente. Sentiu o fedor. Quando acendeu a luz, lá estava, um Hamster gigante. Valdemar virou apavorado e tentou correr, quando o animal o abraçou e o enrabou. Valdemar Antônio nunca mais duvidou do realismo de suas histórias.


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