Por quem as bucetas dobram
--- Anacreonte, vá até o bar do Maneca na
esquina e encontre com Pong. Imeadiatamente!
--- Quem diabos é Pong? Quem está falando? Que porra de história é essa?
Desligaram o telefone na minha cara. Puta merda. Uma única
frase dita dessa maneira misteriosa. A curiosidade me atiçava, mas
preferi abrir outra cerveja e voltar pras minhas ocupações.
Tocou de novo. Larguei a cerveja junto com a revista aberta na
página central, no ângulo ginecológico-panorâmico. Era bom que fosse
importante dessa vez.
--- Anacreonte, é sério, Pong está lá esperando. O futuro das
bucetas depende de você.
E desligaram de novo.
Filhos da puta. Eu detestava que me interrompessem quando
fazia algo importante. e aquela era uma edição especial recém lançada,
com todas as modelos que posaram nua na revista na última década. Uma
edição histórica que precisava ser apreciada com sossego.
Resolvi ir ver o china. Ele estava na frente do bar, parecendo
tenso e nervoso. Mão suadas, pernas compridas, rosto de guerrilheiro
vietnamita. Só podia ser o tal Pong. Ele veio falar comigo mas antes
de tudo lhe disse:
--- Primeiro me paga uma cerveja! Só assim poderei saber que
você está bem intencionado e ouvir o que você quer.
Ele parecia ter vindo despreparado para isso. Fez um muxoxo,
contou os trocados no bolso até juntar dois pila e meio (CARAMBA,
estava cada vez mais caro o líquido sagrado) e pediu a cerveja. Ficou
quieto me vendo beber o primeiro copo de uma vez. Servi o segundo e
disse-lhe para falar.
Ele remexeu nos bolsos e tirou um monte de fotos. Começou a
mostrá-las e me interrogar.
--- Coisa terrível, terrível. Veja, aqui, você sabe o que é
isso?
--- Claro uma buceta. Um belo espécime por sinal.
--- Certo, certo. E isso?
--- Hmm... não. Parece um casaco de peles caídos, ou um animal
morto com os intestinos revirados pra fora. Não sei.
--- Ohhh.... é terrível, é terrível!
--- Que diabo, você pode parar com isso? O que é tão terrível?
--- É terrível, terrível. Veja você mesmo. Sabe agora o que é isso?
--- Bem, é a mesma coisa de antes, só que está numa mulher no lugar da buceta.
--- No, no. Você no vê. É a buceta. Essa é uma foto de 1930.
Assim era a buceta na época, veja você mesmo.
O japonês me passou uma porrada de fotos, algumas até famosas,
com aquele troço no lugar da buceta. Fotos que inclusive eu já havia
visto antes, porém com uma buceta normal. Só podia ser uma espécie de
truque. No entanto uma espécie de reminiscência animal sacudia dentro
de mim. Algo estava errado. Prensei o tibetano pra ver o que eu
conseguia extrair.
--- No bate, no bate. Veja, está tudo aí. É verdade. Essas são
fotos originais que foram roubadas por uma rede de agentes que temos
espalhados pelo mundo. São poucos os exemplares existentes, a maior
parte eles queimaram.
--- Quem são eles?
--- São eles. São as pessoas que estão adulterando as bucetas
há cem anos. Nunguém sabe o objetivo que eles têm. Mas ano a ano eles
alteram alguma coisinha, de forma que a mudança seja sutil e ninguém
perceba. Feito isso eles se espalham pelo mundo republicando e
forjando material antigo, retocando as bucetas para que se pareçam com
as atuais. Até as pinturas e estátuas clássicas não foram poupadas e
tiveram sua bucetas profanadas. Eles estão usando todo o tipo de
tecnologia, desde clonagem, flutuação genética, migração induzida de
caracteres até tecnologias de modificação de registros fotográficos,
pictográficos, fílmicos, tudo. Um bombardeamento massivo de imagens de
buceta na tevê e na imprensa para ajudar a fixar na mente das pessoas
a nova imagem da buceta. Com alguns isso não funciona é claro. Eles
são mandados para asilos ou sumariamente apagados.
--- Mas para quê?
--- Não sabemos ainda. Talvez sejam alienígenas preparando
nossas fêmeas para uma cópula intergaláctica, talvez mutantes
preparando a brotação de sua nova raça, talvez genocidas preparando o
fim da raça humana, talvez neonazistas preparando o triunfo da raça
escolhida, talvez um experimento cobaia para ajustar a tecnologia e
começar a fazer as reais mudanças em tudo. Tudo é muito sinistro, e
ainda muito secreto. Só você pode nos ajudar?
--- Eu?
--- Sim você é escritor. Precisa resolver isso.
--- Não mesmo, estou fora.
--- Se você desistir, pode ser que nunca mais vejamos
novamente uma buceta. Você é nossa última esperança para salvá-las.
Olhei as fotos. Não conseguia entender o que queriam de mim. Queriam que eu divulgasse tudo na imprensa e passasse por louco? Que
escrevesse contos contando tudo de forma subliminar para alertar as
pessoas? Que usasse minha imaginação doentia para descobrir tudo?
De qualquer forma o medo de ficar sem bucetas me impelia a me
jogar dentro daquela trama maligna. Olhei novamente as fotos. Parando
pra pensar melhor, não eram feias aquelas supostas bucetas formato
original. Em verdade, era só olhar pra uma delas pra ter uma ereção
instantânea. Eram muito superiores às bucetas atuais.
Aceitei a missão desde que pudesse ficar com as fotos. O
coreano aceitou a condição e me passou um número que eu podia ligar
quando precisasse de ajuda. Fiquei uma semana em casa trancado e
contemplando aquelas bucetas. Como profissional eu precisava me
inteirar a fundo do problema.
Por fim, passei à segunda fase do plano. Comecei a compará-las
com as bucetas modificadas. Descobri que a maioria das novas bucetas
estavam vindo com uma pinta marrom no lado esquerdo. O que queria dizer
aquilo. Dos jornais comecei a montar o quebra-cabeças. Uma notícia
dizia que o governo estava oferecendo um serviço gratuito de reparo a
objetos de nu artístico. Outra notícia falava de uma nova tecnologia
de armazenamento de imagens, e que se você levasse suas revistas
antigas lá, eles a destruíam e lhe entregavam um disco com todas as
imagens nele gravadas. Com certeza esses eram estratagemas para facilitar a adulteração de imagens púbicas femininas.
Mas e a pinta marrom. Aquilo me incomodava. Zunia em minha
cabeça o tempo todo. Precisava desvendar o mistérios das bucetas
forjadas, não podia perder tempo com essa tara pela mancha. Quem
estaria por trás disso tudo?
Precisava fazer uma pouco de pesquisa. Comecei a freqüentar as
casas de tolerância e examinar as moças. Precisava descobrir algo logo
pois minha atitude de pagar para ficar olhando de perto a buceta
começava a gerar suspeitas. Logo eles me descobririam.
Um dia, Eureka. Percebi que a mancha se assemelhava à uma
letra. Comprei todo o material pornô na banca de revista, que nos
últimos tempos era praticamente a única coisa que ainda se vendia nas
bancas, lotando prateleiras intermináveis, e levei tudo pra casa.
Ampliei meticulosamente cada buceta e percebi que as diversas
manchas formavam diversas letras, organizadas de maneira a embutir
também um código de enfileiramento, que quando postas na ordem correta
revelavam mensagens, ordens, comandos de ação, condutas, páginas e
mais páginas de mensagens subliminares, dizendo como agir e o que
fazer. Uma gigantesca biblioteca de ordens indicando às pessoas comuns
tudo o que deveria ser feito no dia-a-dia. Tudo isso sendo aos poucos
passivamente assimilado cada vez que alguém vislumbrasse uma buceta.
Um sistema extremamente sofisticado que induzia o cérebro a organizar
corretamente o código de forma inconsciente, seguindo apenas as
indicações visuais que se auto-explicavam.
Era assustador.
Liguei para o número dos cantoneses. Expliquei tudo a eles,
que disseram que com essa descoberta estariam prontos para agir. Me
deixaram de lado e, depois de uma onda de ações de espionagem,
descobriram o responsável: Centicorp, o cartel das cem maiores
empresas do mundo, que sozinhas possuíam 97% por cento de tudo que era
vivo ou não-vivo. A guerra se desencadeou gerando as batalhas
sangrentas e destruição em massa das bucetas que hoje nos aflige.
Quanto a mim, saí da cena principal, virando mero espectador da
barbárie. É claro que, no entanto, como havia sido eu o cara a
decifrar todo o enigma do código subliminar, nada mais justo do que
usá-lo para lavar a mente de meus leitores e lucrar alguns trocados
como pagamento de direitos pelo minha descoberta. E foi assim que meus
contos se tornaram lidos sobre toda a face da terra e eu passei a
ganhar sucessivos prêmios literários em dinheiro vivo, inclusive os
maiores prêmios por anos e anos consecutivos. E até hoje, sempre que
posso, uso aquelas fotos e relembro dos velhos tempos da buceta
natural.
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