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E foi então que me tornei um ingênuo

Era um Priápico, eu bem me lembro, ou um outro desses dias por aí em que um homem solteiro não encontra nada para fazer. Eu recém decidira me tornar um ingênuo. Não sei porque, talvez estivesse apenas cansado de encarar todo dia a mesma raça humana, cometendo sempre os mesmos erros, sem nunca aprender nada. Talvez eu precisasse sonhar um pouco, acreditar que a humanidade tinha um futuro.

Saí andando na rua. Uma peitudinha baixinha passou por mim. O que era aquilo? Caramba, não sabia como uma menina tão magra e baixa não arranjava um desvio na coluna carregando por aí um par de peitos como aquele. Comecei a salivar, o que indicava que minha ingenuidade começava a ficar ameaçada. Entrei depressa no bar que eu jurara nunca mais entrar, pra tomar uma cervejinha e relaxar um pouco.

Sentei numa mesa, e logo veio a velha garçonete tarada tentando me agarrar..."Oi amor! Que saudade! Quanto tempo!" Foi me beijando e esfregando sua cintura macia contra a minha. Talvez a ingenuidade valesse a pena, talvez o mundo não fosse tão ruim assim. Pedi uma cerveja e sentei na sacada do segundo andar, observando o movimento na rua.

Era perfeito. Realmente, algumas horas, o mundo parecia ter sentido. Bastava ter dinheiro, cerveja e tempo livre, que tudo parecia se acalmar. Um morena com os olhos mais verdes que já vi sentou na mesa ao lado me encarando. Tudo bem, só estou tomando uma cerveja. Sabia que normalmente se eu fosse na mesa dela tudo ficaria mais difícil pra mim, e se eu resolvesse evitá-la aí ela grudaria no meu pé. Fiz-me de morto.

Ou quase. Afinal, como olhar não tira pedaço, comecei examinar aquele ultra par de pernas. Eram perfeitas. A garçonete tarada voltou, ficou abraçada comigo, balbuciando um monte de coisas que eu não conseguia entender. Fiz-me de morto também, afinal, é sempre perigoso mexer com duas mulheres ao mesmo tempo. Pensei em mudar de mesa. Depois, pensei em mudar de bar. Já memorizara aquele par de pernas jovens mas a morena não parava de me olhar. Eu cansara da brincadeira.

De repente, noto que ela se mexe. Se levanta. Vem até minha mesa e pergunta "Tem fogo?" "Infelizmente não..." Ela fica parada me olhando. A situação me constrange. Não sei, mas tem algo em mim que sempre fez com que fosse impossível compreender e ser compreendido pela mesma mulher. O normal é não ocorrer nenhuma das duas coisas. Ela continua de pé. Ainda está lá. Não se mexeu. Já faz uns cinco segundos desde que pediu fogo e ela continua lá, de pé, de saia preta, de blusa colada, me olhando. "Quer sentar?" Ela hesita. Ou ao menos finge que hesita. No que eu faço menção de pegar meu copo para continuar bebendo ela diz "Claro! E por que não?"

E por que não? Essas palavras ressoam em meu cérebro enquanto dona Pernas senta na minha frente. Por que não? Eu poderia enumerar pelo menos um milhão de motivos pelos quais seria melhor pra ela não sentar ali, e depois zerar o contador e começar a contar mais outros milhões. Eu poderia ser um homicida, por exemplo. Poderia ser maluco. Poderia ser um escritor fajuto. Poderia ser os três.

Ela pede fogo pra garçonete, não a tarada dessa vez, e eu concentro meu olhar no fundo do copo de cerveja onde uma formiga luta pela vida, prensada entre o copo e a mesa. É talvez eu fosse um escritor maluco, condenado ao fracasso, que tivesse ido ao bar apenas na procura de mais uma vítima. Talvez eu fosse um estuprador, sim. Não! Talvez fosse justamente isso que ela estava atrás, melhor voltar pra assassino.

Eu podia até ver. Acabara de sair de casa, moralmente arrasado pela hipocrisia e imoralidade de um mundo onde só os ricos e os presidentes é que podem roubar. Decidira sonhar com um mundo melhor, começando pela tarefa de matar as pessoas comuns na rua, afinal, elas não estavam nem aí pra o que estava acontecendo. Então...

"Pensativo você, hein? No que está pensando?" Me interrompeu dona Pernas. "Há uma formiga morrendo no fundo do copo" "Ah...."

Ela pareceu contentar-se, por ora, com a resposta. Voltei ao meu devaneio. Na rua tentara matar uma colegial peituda, mas que pelos livros e roupas que usava já devia estar na universidade há muito tempo. E agora estava ali. Arranjara minha vítima. Bastava embebedá-la, levá-la a meu apartamento, matá-la e depois estuprar o cadáver.

Olhei em frente sorrindo malignamente. Ela havia sumido. Droga. Talvez nem mesmo existisse. Talvez eu estivesse começando a alucinar. Resolvi me mudar pra dentro do bar, talvez o frio na cabeça estivesse me alterando.

Sentei no canto. No canto oposto, ao fundo, uma mesa, lotada de gente. Uma família comemorava algo ali. Logo pediram uma música à garçonete. Não entendi o que era. Uma rumba começou a ecoar então pelos alto-falantes e todos eles se levantaram da mesa e começaram a dançar e puxar um trenzinho pelo bar. Olhavam pra mim, afinal só havia eu e eles ali, e decerto acharam que eu estaria também interessado numa dança caliente. Sorri com toda simpatia do mundo. Um sorriso legado pela natureza somente aos bêbados e aos cínicos. E eu era normalmente os dois.

A garçonete se empolgou (a tarada, é claro) e veio até minha mesa dançar comigo. Eu, muito simpático, segurei na mãozinha dela com uma mão, enquanto com a outra continuava calmamente a beber minha sagrada cerveja. Nada no mundo me faria levantar.

E foi então que o trem da rumba se virou em minha direção e veio a mil. A cena surreal era a seguinte, na frente vinha dona Mãe. Engatado atrás da véia vinha seu Filho. Daí então dona Filha, e um monte de amigos genéricos. Ao que tudo indicava era a véia que tava patrocinando a bebedeira.

O trem chegou. Tudo o que eu queria era beber minha cerveja e sonhar com um mundo melhor. Uma garçonete tarada se balançava na minha mão, mas eu era ingênuo e pensava, que mal pode haver nisso.

Me puxaram pra dançar. Um sanduíche de carne me fez de recheio. Na frente dona Mãe e atrás dona Filha. Roçavam e esfregavam seus corpos suados em mim. Dona Mãe, uma coroa até que bem enxutona, mordia meu pescoço e ombros e esfregava apertado sua cintura contra a minha. Dona Filha, por trás, lambia minha nuca, esfregando seus peitinhos durinhos em minhas costas, enquanto suas mãos corriam em liberdade pelo meu corpo. Num canto a garçonete tarada já se atracara com alguém.

Bebemos mais. E mais. A coroa pagou tudo e fomos embora.

No dia seguinte acordei em minha cama. Estava toda vomitada, como sempre. Mas dessa vez com a dona Mãe dum lado e Dona filha do outro. Ambas abraçadas a mim e semi-nuas.

Assim, meus caros, nada mais me resta a dizer. O mundo é um vulva onde os piolhos se afogam.

E foi então que me tornei um homicida.


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