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Aventuras numa terra estranha

Primeira noite num puteiro mexicano. Cãibras, pulgas, farpas do estrado da cama soltas pelo colchão e ameaçando entrar no saco, um velho caduco com uma sanfona que ria e gritava sem parar, que me fazia botar as calças e ir até a porta gritar: "cala a boca aí seu filho duma puta! vou enfiar essa sanfona no teu rabo!"

Depois fechar a porta ainda ouvindo as risadas do velho e sabendo que era inútil. Tudo aquilo era inútil. Todo o esforço por fazer o velho se calar, todo o empenho na viagem, toda a preocupação com uma noite decente. Senti uma espetada no saco e descobri que uma das farpas conseguira abrir caminho até seu objetivo.

Peguei a garrafa de tequila e achei melhor desisti da aposta. Tudo o que eu queria era uma noite de paz, e eu apostara com os caras do bar que eu conseguia comer a mulher mais feia daquele lugar. Se eu fizesse isso, eles me pagavam todas as despesas da noite. Mas eu não tinha estômago. Ninguém tinha. Ela apenas continuava por lá porque os caras do bar adoravam fazer essa aposta com estranhos, o que era sempre um bom negócio porque invariavelmente ganhavam.

Dolores estava na cama, com seu sorriso de diabo ao avesso.

--- Cai fora! Hoje não vai dar.

--- Como?

--- Acabou! C'est finni!

--- Qué se passa?

Aquele diálogo não estava dando certo, eu falava espanhol tão bem quanto uma capivara se equilibrando num arame. Tirei o pau pra fora e, balançando, disse:

--- El está muerto!!! Adios.

Dolores baixou o rosto escondendo o choro e foi embora assim, de rosto escondido. Era a puta menos comida de todo o México. Talvez do mundo. E eu devia uma boa grana pros caras do bar, mas agora não importava mais nada, só queria um pouco de sono.

Deitei na cama emborcando a tequila e ouvindo ao longe a gargalhada do velho. Estava debochando de mim, na certa. Comecei a sentir o corpo formigar e flutuar, rumo a sonhos doces e reconfortantes. Sonhei com a vulva multivalvulada. Talvez a coisa mais incrível que qualquer ser humano possa ter pensado. Sonhei com mulheres de oito pernas e ventres cheios de pequenas aranhas pra me devorar. Sonhei com bucetas bicamerais, com raças inteiras cuja ausência do coração lhes dava importância ímpar aos órgãos sexuais, se parassem de copular por muito tempo, a pulsação desregulava e morriam. Sonhei com ovários com dentes de morcego que uma vez fecundados, rasgavam a carne e saíam do corpo para se enterrarem na areia. Sonhei com o puto do velho da sanfona, que apareceu no meio do meu sono rindo de forma doentia só para estragar o que teria sido uma noite perfeita. Por fim já quase amanhecia quando sonhei novamente com a vulva multivalvulada, que dessa vez se abria para mim e me convidava a explorar as maravilhas tecnológicas de seu interior.

Acordei sem minhas roupas, sem meu pertences, sem absolutamente nada. Não estava mais no puteiro, mas sim jogado numa rua em pleno centro da cidade do México, ao amanhecer. Eu estava nu, numa terra desconhecida, cujo idioma eu não dominava, sem dinheiro nem documentos. Eu achava que a noite anterior fora uma merda, mas por algum motivo começava a sentir saudades dela.


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