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A luta noturna

Um cheiro doce. O gosto de saliva e suor misturados.

No mundo das idéias, algo acontecia. Uma nuvem enorme se agitava, exalando o odor e o aroma das revoltas. Um filho. Um filho estava nascendo. Nas contrações desenfreadas, no colapso do universo e das idéias, loucamente buscavam elas se realinhar, reagrupar, recriar.

Doce miséria humana. Suada, excitada, buscando em si mesma aquilo que não possui. Triste miséria humana, tão consciente de si enquanto miséria, porém perpetuando-se. Um gozo refreado. Uma ejaculação egoísta, solitária, que se nega em doar-se.

Um grito de mulher corta a noite. Uma mancha de palavras corta o papel, forçando firme sua entrada no mundo, avançando ferozmente noite adentro, tentando criar um herdeiro, uma história por vir.

Não era fácil. A miséria humana criara para si uma academia medíocre que legislava a literatura, escrever, criar, viver, se tornara algo árduo, inacessível, proibido. A mediocridade nascera do gozo da miséria com a mulher do melhor amigo.

O gosto doce explode na boca, contagiante, inebriante. Dissolução de tudo. Tudo, tudo, mas quase tudo. Lutam aos poucos as idéias. Procuram a coerência, o sentido. A desordenação faz mais uma investida, e um novo jato de palavras jorra no papel.

A folha envolve e contagia o artista. É a tontura, a fome. O cansaço do debruçar-se durante longas noites sobre a folha convidativa. O artista e sua obra são um só, fruto da miséria de sua condição de explorado.

A folha e o artista lutam. Lutam entre si para ocorrer a gestação de um filho que a nenhum deles pertencerá. Um filho que será possuído e comprado por formigas leitoras, formigas atraídas pela docidão do jorro de palavras. Formigas que se tornarão cada vez mais cegas, uma vez que não devem enxergar.

Quem atrai essas formigas? Quem vende o gozo do artista? Quem é aquele que deita no lençol incestuoso em que o artista se debate à noite, para cometer o delito adúltero? Quem rouba do artista a dignidade e o reduz a um escravo, não da folha, não do gozo incessante do jorrar de palavras, um escravo de sua própria condição, do mundo que lhe foi imposto? Quem é aquele que colhe para si cada gota do jorro do artista, vendendo as folhas de papel? Quem é aquele que aproveita o grito de mulher quando o artista se cala? Quem é aquele que se esconde gordo na sombra magra do artista?


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