Memórias futuras dos dias difíceis
Quando ouvi a sineta tocando sabia que era
isso. Hora de correr. De tirar o cu da reta. Perguntei
pra Martisa o que ela achava disso. Meditei sobre a resposta enquanto
corria:
--- Hmnvwn mnw wnn mn nw!
Realmente as coisas estavam cada dia piores. Tudo começara com
o tiroteio na Universidade. Um maluco se auto-intitulara Jarel, filho
de Calel, e saíra atirando em todo mundo. Matou catorze e feriu
dezessete antes que o pegassem.
Depois o martírio na lagoa. Um louco se amarrara num poste e
mandou que ateassem fogo ao seu corpo. Morreu sem um só grito,
deixando apenas um bilhete misterioso que dizia: Rosebud, meu caro
Orson.
Então aparecera Martisa. Cega, manca e quase muda. Trazia na
fronte o signo Giqiano, por isso preferimos mantê-la por perto. No
entanto, não descobríamos sua utilidade, era apenas um peso morto que
arrastávamos de um lado pro outro ouvindo resmungar suas estranhas
palavras. Talvez fosse alguma espécie de oráculo, por isso ainda lhe
dirigíamos perguntas, às vezes.
Então a peste. Um surto de diarréia infestou a cidade e o
ambiente ficou realmente insuportável. Algumas pessoas começaram a
desaparecer misteriosamente e a prefeitura decretou o toque de
recolher. Foi aí que descobrimos a utilidade de Martisa: podíamos
deixá-la presa, matá-la, incendiá-la, fazer qualquer coisa, que no
outro dia ela novamente aparecia e batia à nossa porta. Era o escudo
que precisávamos. Pena sua mudez não ser completa, pois quando se
defrontava com a morte seus murmúrios se tornavam gritos infernalmente
insuportáveis.
A patrulha estava chegando. Estávamos sós, eu e Martisa.
Peguei Martisa pelos cabelos, cortei sua jugular e a larguei no chão
esvaindo-se em sangue e dor. Isso daria bastante trabalho pra patrulha
e me garantiria a fuga. No outro dia de manhã eu fumava um cachimbo e
lia o jornal quando Martisa apareceu. Entrou, sentou-se e não disse
nada. Nem sequer uma marca no pescoço, nenhuma cicatriz, nenhuma
reclamação. Que mulher notável era ela!
----------x----------
Para ler mais deste autor visite também:
http://uretrite.blogspot.com/
http://br.groups.yahoo.com/group/fonjic/
|