Retorna ao início
----->contos do fonjic<-----
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998

Memórias futuras dos dias difíceis

Quando ouvi a sineta tocando sabia que era isso. Hora de correr. De tirar o cu da reta. Perguntei pra Martisa o que ela achava disso. Meditei sobre a resposta enquanto corria:

--- Hmnvwn mnw wnn mn nw!

Realmente as coisas estavam cada dia piores. Tudo começara com o tiroteio na Universidade. Um maluco se auto-intitulara Jarel, filho de Calel, e saíra atirando em todo mundo. Matou catorze e feriu dezessete antes que o pegassem.

Depois o martírio na lagoa. Um louco se amarrara num poste e mandou que ateassem fogo ao seu corpo. Morreu sem um só grito, deixando apenas um bilhete misterioso que dizia: Rosebud, meu caro Orson.

Então aparecera Martisa. Cega, manca e quase muda. Trazia na fronte o signo Giqiano, por isso preferimos mantê-la por perto. No entanto, não descobríamos sua utilidade, era apenas um peso morto que arrastávamos de um lado pro outro ouvindo resmungar suas estranhas palavras. Talvez fosse alguma espécie de oráculo, por isso ainda lhe dirigíamos perguntas, às vezes.

Então a peste. Um surto de diarréia infestou a cidade e o ambiente ficou realmente insuportável. Algumas pessoas começaram a desaparecer misteriosamente e a prefeitura decretou o toque de recolher. Foi aí que descobrimos a utilidade de Martisa: podíamos deixá-la presa, matá-la, incendiá-la, fazer qualquer coisa, que no outro dia ela novamente aparecia e batia à nossa porta. Era o escudo que precisávamos. Pena sua mudez não ser completa, pois quando se defrontava com a morte seus murmúrios se tornavam gritos infernalmente insuportáveis.

A patrulha estava chegando. Estávamos sós, eu e Martisa. Peguei Martisa pelos cabelos, cortei sua jugular e a larguei no chão esvaindo-se em sangue e dor. Isso daria bastante trabalho pra patrulha e me garantiria a fuga. No outro dia de manhã eu fumava um cachimbo e lia o jornal quando Martisa apareceu. Entrou, sentou-se e não disse nada. Nem sequer uma marca no pescoço, nenhuma cicatriz, nenhuma reclamação. Que mulher notável era ela!


----------x----------

Para ler mais deste autor visite também:
http://uretrite.blogspot.com/
http://br.groups.yahoo.com/group/fonjic/

Clique aqui para cadastrar-se e receber contos de fonjic por email
Receba contos de Fonjic por email

Consulte
Spectro Editora
para ler sobre Charles Bukowski