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Confissões sem público

Dobrei o papel com os dentes e meti-o no bolso. Conferi-lhe os seios mais uma vez com uma olhada rápida no decote para logo em seguida esbarrar no olhar firme do marido que me encarava. Pode deixar que ligo, afirmei à Kika.

Levantei o copo para quebrar o clima de constrangimento instalado entre nós três. Mais tarde, naquela mesma noite, diria bêbado ao Dino, marido dela: "É cara, não adianta, estamos todos fudidos mesmo. Todo homem é um corno e toda mulher uma escrava!"

Mesmo bêbado ele franziu o cenho para estudar meu rosto tentando extrair das palavras seu significado. Dei-lhe o pacote de pó e fui embora. Uma semana depois, enquanto ele se matava trabalhando pra pagar as contas do lar e o pó santo de cada dia que ambos consumiam, eu, por vez, adquirira o hábito de freqüentar-lhe a casa para comer-lhe a mulher e lamber apaixonado aquelas pernas perfeitas que tão bem se encaixavam em meus ombros.

Quanto a Dino, continuava a vê-lo nas festas da empresa. Eu sempre exclamava uma calorosa saudação quando o encontrava e dava-lhe um abraço ou tapinha nas costas. Quando saía dizia em voz alta para mim mesmo, "Corno!" Ele, é claro, desconfiava. Mas tudo ficava por aí.

Às vezes flagrava-o me espionando, de algum canto do salão. Seus olhinhos miúdos e brilhantes, meio perdidos, vazios, como os da cabeça de um morto. Por certo cozinhava algum plano ou suspeita em seu cérebro, até que de repente despertava e punha-se a fazer outra coisa.

Quanto a Kika, dia após dia tornava-se mais devassa e submissa. Ninfomaníaca também. Comecei a enjoar-me dela rápido e a bater-lhe. Deixava, ainda, após cada visita, pequenas marcas roxas pelo corpo suculento, que ela tanto apreciava ostentar, para que o corno ficasse constrangido ou desconfiado ao voltar pra casa.

Um dia encontrei-o abatido, sentado numa escada na saída da empresa sem rumo. Convenci-o a acompanhar-me ao bar. Lá, por fim, ele desabafou:

--- Anaca, tu parece um bom amigo. Fala pra mim, cara, fala, tu ouviu alguém comentar algo sobre a KiKa?

--- Eu? Não... Por quê? Que tipo de comentário?

--- Algo sobre alguém estar comendo ela.

--- Não... jamais ouvi coisa alguma. Relaxa, isso é besteira.

--- Posso confiar em ti?

--- Claro!

--- Ela tem um amante cara. Tenho certeza que ela tá me traindo.

A essa altura eu raramente a visitava e soubera que ela estava dando pra toda a molecada adolescente do bairro. Paguei-lhe muitas doses de bebida antes de partirmos, dei-lhe um envelope com cocaína suficiente pra quinze dias e disse-lhe:

--- Toma, cara. Isso é um presente. Pra te ajudar a superar. Um homem tem que fazer o que é certo para defender sua honra. Isso vai te ajudar a pensar direito e a sair da crise.

Nessa noite ele chegou em casa, pegou o revólver e descarregou a arma na cabeça da mulher que dormia. Pensou em se matar, mas não guardara balas para isso. Ficou vagando à esmo pela casa vazia até que a polícia chegou e o prendeu. Foi condenado. Na segunda semana preso foi estuprado. Tornou-se amante de um dos carcereiros e com isso conseguiu uma cela melhor. Infelizmente na primeira rebelião que teve, foi um dos primeiros a ser morto pelos próprios detentos.

Todos na empresa lamentamos o ocorrido e continuamos tocando nossas vidas. É, realmente ela era uma ótima foda e ele um bom funcionário. E é por isso que toda vez que a brisa do mar se levanta na noite escura e fria do sul, que me encosto nesse bar, à beira do mar, e deixo meus pensamentos vagarem perdidos entre as ondas e estrelas, soprados ao vento como os desejos e angústias de Jack London, me perguntando por que, por que o destino às vezes se mostra tão cruel e impiedoso com seus mais belos filhos? Por que o destino, com sua cegueira imparcial, pune os homens e castiga os mortos sem que nós, meros mortais, possamos fazer qualquer coisa para evitar?


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