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Apenas mais um motivo pelo qual não fui soldado

Acho que todo mundo tinha um amigo que fora currado no exército. E eu não era exceção. Sempre que podia eu contava às pessoas como meu melhor amigo tinha sido currado quando tudo o que ele queria era servir à nação.

Se isso servia para alertar as pessoas do risco, não sei, mas sei que fazia com que nunca quisessem se dizer minhas amigas. Muito menos melhor amigo.

Por que você não fala das coxas de Madalena? Ah, sim, era isso que me perguntavam. Todos queriam saber das macias e sedosas coxas de Madalena. Mas eu não me rebaixaria a tal ponto, não era assim que se fazia amizades, mas sim dando conselhos úteis para as pessoas. Quem não quer ser amigo de alguém que dá conselhos supimpas? E que conselho melhor do que alertar contra os perigos da vida em caserna? E que história melhor ilustraria isso do que a do meu melhor amigo, que fora currado em plena cerimônia da bandeira?

Eu tive uma namorada, quer dizer, quase namorada, bem, me cumprimentou uma vez na saída do ônibus. Ela me disse que eu assustava as pessoas. Será que ela também preferia que eu falasse das coxas de Madalena? Nunca, jamais me rebaixaria a este ponto.

É claro que nada me impediria de narrar o antes, os momentos mágicos que antecederam minha entrada naquele quarto enquanto Madalena, sem saia, removia a meia-calça. Eu entrara no quarto porque tinha brigado com um vizinho por causa de um motivo tolo que nem me lembro, a não ser da motivação real que havia que era descontar dele a vergonha que me fizera passar no dia anterior, quando ele comentara para todos que eu tinha uma cicatriz na virilha, que ele sabia porque íamos nadar no mesmo lugar quando éramos criança e a cicatriz, que hoje mal se nota, era então um grande troçolho que poluía a vista das pernas sem pêlos de um jovenzinho.

Não, não é totalmente verdadeiro. Isso apenas dizia respeito à minha motivação, enquanto que a dele era a suspeita de que eu estava espalhando na vizinhança uma história absurda sobre ele quando servira no exército.

Realmente, tem pessoas que são rancorosas demais. Que mal há em se pegar uma história verdadeira e pintá-la com as cores vivas da realidade como deveria ser, e não como é. Que diferença faz se era só um cara ou um bando de uniforme que se revezava enquanto os outros entoavam em coro hinos patrióticos? E eram tantos hinos que eu já nem lembrava mais.

Mas falar das pernas da doce Madalena, nunca. Poderia encher páginas e mais páginas falando dos seios que lhe caíam na medida exata do corpo (ops, caíam é palavra que se deve evitar ao falar-se de seios). Erguiam-se, seria correto dizer, como defuntos molestados voltando à superfície da terra em busca de vingança, como dois coelhos machos preparando-se para a luta mortal, como a crista de um garnizé cheio de fúria, sim, esse era o modo como se erguiam em graça e beleza os seios de Madalena, apontado para os lábios sedentos de ...

Tergiverso. Esse era pra ser um panfleto educativo alertando os jovens para os riscos do internato militar. Um aviso de cuidado com as partes do touro que costuma ser introduzida no recruta pelo animal com o apoio e incentivo dos demais membros da corporação. Um aviso sincero e corajoso que somente um amigo de verdade faria. E como me dirijo a amigos de verdade, tenho certeza que a sinceridade será apreciada.

Cuidado, jovem. Se você tem, terá ou já teve dezoito anos, pode ter sido currado e nem sabe, ou um dia ainda será. Este é um aviso de amigo, de melhor amigo.

Já falei das coxas de Madalena?


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