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E foi então que virei michê

E foi então que virei michê...

Minha especialidade era lamber umbigos. Sentava lá e lambia-os, durante horas, levando minhas clientes ao delírio até que por fim completava o serviço e ia embora.

Tinha uma preferida. Todo domingo, após a missa, ela me ligava e nos encontrávamos num hotel da cidade. Horas e horas passei, lambendo aquele umbigo. E ela tanto apreciava que, com o passar do tempo, começou a gastar todo o tempo de minha visita só com o umbigüete, que é como eu o chamava.

Sim. Não me olhe com espanto. Eu fui o criador e precursor na técnica do umbigüete tal como hoje é conhecida e praticada pelos profissionais no mercado. Logo minha fama espalhou-se por toda a região comecei a enriquecer.

Fui aos poucos aumentando o preço de meus serviços até o ponto em algumas poucas clientes bastavam para me sustentar. Exceto dela. Ah sim. Minha cliente predileta. Mantive o preço inalterado e, dia após dia, aguardava os domingos para revê-la. Aos poucos também fui aumentando o tempo da visita dela, até que no fim passávamos horas e horas juntos, eu lambendo ferozmente seu umbigo e ela masturbando-se.

Um dia deixou-me escapar seu nome. Era Carmem. Passei a louvar e adorar aquele nome todas as horas do dia. Lembrava-o todo o instante, sempre associada a bela imagem e erotismo daquele umbigo perfeito que me fazia salivar. Às vezes, andando à rua, vinha-me a cabeça aquele umbigo ímpar e começava a arfar e puxar grandes lufadas de ar para compensar o descompasso que a mera lembrança me causava na respiração.

Já tinha obtido uma boa fortuna então, o que possibilitou que eu cancelasse todas as outras clientes dedicando-me, exclusivamente, à ela.

Um dia, ao nos encontrarmos, notei-lhe um rubor juvenil e uma alegria sutil que fugia-lhe das faces. Entramos no quarto. Ela usava apenas uma saia leve, vermelha, com uma camiseta branca folgada. Nos pés, sandálias brancas. Joguei-a na cama. Tirei-lhe as sandálias e baixei-lhe a saia com certa cerimônia, aguçando meu desejo e apetite por aquele umbigo. Ao levantar a camisa branca que surpresa deliciosa me aguardava lá. Bem no meio do umbigo, preso à borda, pairava um brinco prateado, um piercing, lá preso como se fosse um imenso clitóris. Nada disse. Mergulhei de boca naquele umbigo e chupei-o durante horas. Suávamos ambos e gemíamos. Minha língua adormecia de tanto lambê-la e seus dedos iam cada vez mais velozes enquanto se masturbava. Nos despedimos normalmente, sem trocarmos uma palavra sobre o dia, que tivera ido o melhor até então.

A partir daí, cada vez mais, tudo tornava-se um brinde de prazer profano. Cada dia uma nova surpresa me aguardava por baixo dos panos quentes que escondiam seu corpo. Um dia uma tatuagem, outro dia outro brinco, e mais outra tatuagem, uma jóia presa. Vivi o melhor tempo de minha vida ao lado daquela mulher insaciável e, aos poucos, íamos nos vendo cada vez mais até nos encontrarmos quase todo dia.

Um dia ela simplesmente não veio. Passou dois dias, três dias e nada. Uma semana e eu já estava desesperada. Não sabia onde morava, seu telefone, nada. Tudo que eu sabia era aquele nome breve: Carmem.

Um mês passara-se. Eu estava arrasado. Tornara-me um bêbado e arrastava-me pelas ruas vagando sem destino. Tornei-me mórbido. Um dia, vagando à noite pelo cemitério, acompanhado apenas por uma garrafa de uísque, sinto o sangue gelar-me e a alma fugir-me apavorada. Bem a minha frente, num túmulo, posava um retrato seu, afixado ao lado do seu nome e datas de nascimento e morte.

Era isso. Tolo eu que nunca desconfiara, mas ali, bem na minha frente, fazia-se ver aos gritos a verdade óbvia. Carmem morrera, eis porque nunca mais me procurara.

Aturdido, chocado, vaguei sem rumo pelo cemitério até chegar a um velório, onde o corpo de uma jovem era preparado para os vermes da terra. Era madrugada, e uns poucos parentes apenas lá estavam. Avancei contra o corpo inerte no caixão e abri-lhe as roupas que tapavam o ventre, ignorando os suplícios da mãe da morta. Vislumbrei aquele umbigo virgem, de carne pálida que formava um círculo de erotismo. Sim, era tão belo quanto o umbigo de Carmem e no mesmo instante apaixonei-me.

Saí depressa, antes que arranjasse mais confusão com a família ultrajada que ameaçava chamar a polícia. Andei por horas durante a madrugada, vagando a esmo no cemitério. Por fim tomei minha decisão. Arranjara um novo sentido para este suplício que se chama de vida, e nada poderia demover-me. E foi então que virei coveiro...


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