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Henrieta dos lábios de mel

Ele costumava a reclamar de Henrieta porque ela tinha lábios pequenos. Nunca entendi a reclamação, só sei que toda vez que íamos ao bar do Rank, onde a galera divulgava os resultados de competição da semana, ele se embebedava como uma viúva no natal e desandava a falar dos lábios de Henrieta.

Secretamente, eu nutria a idéia de que aquilo não passava de mero fingimento, mero pretexto para declarar a todos que já provara dos lábios dela. Os lábios inferiores, ele se referia, e justamente eu nutria essa secreta suspeição pois não podia entender qual o motivo pelo qual o tamanho dos lábios de Henrieta pudessem incomodá-lo. Ainda se fosse o contrário... se não hora que ele fosse comê-la surgissem aquelas enormes orelhas de jumbo e ficassem ali ventando, eu até entenderia. Mas o contrário não me fazia o menos sentido.

Isso tudo mudou no dia que ela organizou a festa do "Hoje Ninguém Paga!", no qual ela estaria cobrando absolutamente nada até a meia-noite. Era minha chance de comer Henrieta, minha e de metade de Florianópolis que não tinha grana para poder chegar nela. Era uma menina de luxo, o que fazia só aumentar o respeito que todos lhe tinham. Cheguei no local, uma casinha bem no final do Canto da Lagoa, quando já eram cerca de nove horas. O movimento de carros e pessoas naquele fim de mundo era uma coisa inacreditável e completamente inviável para as condições locais. Desci do carro em que estava de carona e fui até, seguindo o movimento da multidão.

Entrei no terreno da casa e uma fila já se formara. Não era fila para entrar, era pra senha, pra depois entrar. Somente vinte podiam ficar dentro da casa de cada vez, em geral na sala, onde Henrieta dava para os convidados.

Sentia um pouco de ansiedade e nervosismo. Cerca de cem pessoas já deviam ter passado por ali e mais cem passariam pelo meio das pernas dela antes de minha vez. Eu só esperava conseguir sair sem uma doença muito grave.

Dez horas eu peguei a senha e pude zanzar um pouco para esticar as pernas. Parei na banquinha de cachorro quente e comecei a tomar umas cervejas. Cerca de cinco garrafas de Glacial depois, eram onze e meia, e eu temia que não desse tempo e eu perdesse pra sempre minha chance com Henrieta, quando fui chamado. Número duzentos e trinta e dois, era eu. Com a emoção da vitória entrei na casa e aguardei com pressa minha vez. Cada minuto era precioso e ela era um pedaço de carne impossível de se desprezar. Cinco pra meia noite chegou minha vez.

Dei um passo adiante e ela disse:

--- Baixa logo as calças e vem, não temos tempo pra desperdiçar! Concordei de pronto. Tirei o Gnu de dentro das calças e avancei para a consumação final do ato e a glória de meus dias. Foi quando lembrei da história dos lábios e reparei. Era verdade, ela tinha lábios vaginais incrivelmente pequenos, de forma que sua vulva mais parecia um buraco na parede lisa, do que uma buceta propriamente dita. Algo sem graça e deprimente como uma folha de papel ou boca sem dentes. Lembrei da infância, do meu cachorro falecido, dos gatinhos falecidos que eu tivera, de uma tartaruga morta que vi na praia quando era criança, e quando me vi era meu Gnu que estava totalmente morto. A galera vaiava e gritava, ansiosos na espera pela sua vez embora fosse quase meia noite. Um cara que era o próximo na vez avançou com o pau duro pra fora dizendo: "se você não vai comer nem sair da frente vou ter que meter em você."

Agilmente me desviei e guardei minha pobre lebre enquanto contemplava o estranho desfrutar do prêmio que deveria ter sido meu.

Foi um dia triste e as pedras dos mares choraram sangue por mim. Acho que era minha sina, afinal nada resta à literatura burguesa senão a história de um herói degradado, num mundo degradado, em uma busca por valores autênticos fadada ao fracasso. É Lukács, mas nem tudo foi tão ruim assim. Que os lábios eram pequenos isso eram, mas pelo menos não fui comido. Por pouco.


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