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Mil broxadas podem matar

Trabalhar o dia inteiro. De quatro, enquanto seu chefe enfia mais e mais papéis em sua maldita caixa de entrada. Suar como um porco selvagem, que à beira do abatedouro descobre ter se transformado em um odioso burocrata.

Computadores. Sim. A Máquina quadrada e antiquada, que lembra aqueles velho rádios que vovó escutava, recheado de válvulas e transistores. Vieram para agilizar a vida e torná-la mais tensa e preocupada. Vieram para lhe apunhalarem pelas costas justo quando você mais precisa deles, desde a impressora que não imprime, até o disco rígido que pifa, o CPU que queima.

Lembrar que um dia você já foi jovem e conheceu uma garota que tinha até buceta. Buceta perfumada e com cheiro de o paraíso é aqui. Andar pelos corredores imaculadamente limpos porém fétidos e lembrar que você possui um crachá. Um crachá que diz quem você é e quem pode mandar ou ser mandado por você. Lembrar que você já leu Goethe, Bukowski, Stendahl, Catulo, Safo, audelaire, Poe, mas tudo que seus colegas de trabalho gostam de conversar é sobre o programa que passou na tevê na noite de ontem.

É sentir seus pés doente e ver seu corpo ficar velho e doente e esmagado e esgotado e usado com o passar dos anos, pronto para ser aniquilado e jogado no lixo, demitido aos quarenta anos por ter adoecido e descobrir que a doença agora é fatal. Que a doença foi fruto de vinte anos consecutivos destruindo sua vida naquela fábrica de loucos que se chama EMPREGO e que agora você não pode contar com assistência médica ou social ou trabalhista do governo ou de qualquer parte. Você vendeu a eles a melhor parte de sua vida e agora ficou sem nada. Você foi apenas matéria-prima barata na construção de um império milionário pertencente a um único sujeito só, que clama ser um bem e orgulho para sociedade. Quem pode se orgulhar por outra pessoa ter enriquecido e curtido a vida às custas de vidas como a sua, que foram completamente drenadas e incorporadas nas mercadorias vendidas, em troca de dinheiro que vai para as mãos de alguém que não fez absolutamente nada?

Chegar em casa e descobrir que você está sem comida, sem dinheiro e sem mulher e olhar em volta sentado no vazio da sala escura esperando que tudo pegue fogo e termine por fim de uma vez. É sentir a lágrima sincera que escorre do olho enquanto voc6e roça nos pulsos a lâmina, decidindo se vai ou não em frente. Tentar se iludir, guardar a lâmina e dizer, amanhã será melhor.

Finalmente depois de mendigar comprar uma garrafa de bebida barata e sentir o mundo ficar mais quente, aconchegante, quase como se as pessoas fossem humanas e alguém em algum canto tivesse um pouco de uma poção milagrosa para te dar, uma poção que matasse todos os ministros e presidentes e banqueiros e chefes e todas as demais pessoas que também te roubam. É conhecer uma menina linda e se apaixonar e ter que dizer:

--- Hoje não dá meu bem...

--- Por que? Você não me ama?

--- Sim, te amo! Mais que sorvete de chocolate em dia de chuva!

--- Não me acha bonita, atraente?

--- Mais atraente que uma buceta doce me sussurrando convites quentes numa noite de inverno.

--- Bebeu demais então?

--- Não, não! A bebida não me derruba, meu bem. Só me deixa melhor, sempre.

--- Mas o que foi então, porra, por que hoje não dá, meu amor?

--- Hoje perdi meu emprego, meu bem. Descobriram que estou gasto demais para merecer a vida e expio a culpa de mil broxadas que deixei que eles me obrigassem a ter.


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