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Vinte e quatro horas de solidão e nenhuma buceta pra me perfumar

A escrotidão me cercava de forma pluripreponderante. Eu era jovem, e quase saudável, e o mundo intenso e febril e eu tinha vinte e quatro. Vinte e quatro anos numa cidade chuvosa.

Era fevereiro, o mês mais triste do ano, por causa do constante calor e dos constantes temporais que causavam enchentes e alagamentos. Depois da destruição das águas vinha a peste. E eram as crianças que mais sofriam lotando os hospitais com leptospirose.

Em meu apartamento, infernalmente urbano, gastava meu dia em bebedeiras intermináveis. Doses de álcool sempre insuficientes para impedir que os dias se arrastassem monotonamente e custassem a passar. Eu estava há meses sem mulher e já, de fato, até esquecera do gosto suave de uma buceta. Me envolvia em delírios alcólicos e sonhos calorentos onde mãos femininas me acariciavam e me faziam acordar melado.

Vivia de favor à custa de amigos. Lhes pedia dinheiro emprestado e com a grana financiava verdadeiros cultos a dionísio para eles, que satisfeitos desistiam de me cobrar o empréstimo depois.

Conheci uma moça um dia. Eu fumava um cigarro num canto do boteco quando ela me abordou.

--- Você mora por aqui?

--- Hmm, hmm --- concordei.

--- Você me acha bonita?

--- Hmm, hmm.

--- Está vendo aquela casa? Eu moro logo ali. Você pode bater lá a qualquer hora.

--- Você não tem pais? Família?

--- Tenho, mas minha mãe é gente boa. Pode bater até de madrugada que ela não liga. Daí a gente pode festar um pouco.

--- Legal. Vou aparecer por lá, certamente.

--- Aparece mesmo.

--- Pode deixar. Foi um prazer te conhecer.

Com isso consegui que ela se decidisse ir embora e me deixasse a sós um pouco. Ela me disse seu nome e me beijou de leve os lábios antes de se ir, com carinha de sacana. Em algum lugar da conversa ela dissera que já concluíra o primeiro grau até a oitava série e o motivo de eu não ter reproduzido isso antes é que realmente não consigo lembrar de muita coisa do que ela disse. Essa parte está solta por aí, como que vinda de algum sonho ou delírio meu. Olhei pra ela enquanto se afastava e as coxas e bundas eram boas. Rebolava bem, embora eu tivesse a vaga impressão de que seu rosto era mais feio do que mil demônios juntos. Mais assustador eu sei que era.

Terminei meu cigarro. Eu havia parado de fumar, por que diabos estava fumando novamente nos últimos meses? Falta de mulher, sem dúvida. Cocei o saco, limpei a garganta e gritei pro cara do bar.

--- Ô Juraci! Eu sou escritor, sabia?

--- Vai outra cerveja?

--- Não! Eu disse que sou escritor!

--- Claro, Anacreonte, claro. Eu sei.

Baixei a cabeça, pensante.

--- Ô Juraci! Vê a saideira!

Tomei aquela última cerveja e voltei pra casa, cambaleante, triste, melacólico, pensando na mulher que me chutara por último e em todas as mulheres que eu deixara de agarrar quando estava com ela. As risonhas luzes de postes me olhavam zombeteiras enquanto eu andava pra casa debaixo da quente chuva noturna.


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