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Em busca de uma foda

Sim, de fato o nome é horrível. Mas apesar disso, creio que ela foi uma das minhas primeiras paixões.

Eu tinha dez anos. Jovem e inexperiente. Só fui perceber a presença marcante em minha vida depois que fui chutado pela minha segunda mulher. Sim, minha segunda mulher, Maria, a filha dos mouros, tinha lá seu visual de freirinha rebelde ou professorinha de primário, o que pra mim é difícil distinguir uma coisa da outra, uma vez que fui alfabetizado por professorinhas freiras.

Mas o fato é que irmã Rosenilda, apesar do nome ser feio de dar dó, era um baita mulherão na faixa de seus vinte anos. Ministrava aulinhas de primeira comunhão nas quartas-feiras à tarde e, apesar de não conhecer ainda os malefícios nem os benefícios da masturbação (principalmente os benefícios, pois até hoje desconheço mal algum), eu já me acabava de prazer e melancolia, pensando nas belas faces e coxas ocultadas por aquele corpo tão protegido.

Ah, quantas freiras safadas, já experientes nas agruras de uma vida celibatária não devem, assim como eu, terem se acabado pensando nas coxas da irmã Rosenilda. Do fundo da pequena salinha, enquanto as outras crianças repetiam os tediosos salmos, eu já dava mostras de precocidade tentando, em vão, me esgueirar pela cadeira para achar um angulo que proporcionasse uma visão um pouco mais generosa dos atributos daquela doce (talvez virgem) freirinha. Sim, foi nessa sala que, pela primeira vez, ouvi o chamado de deus, do meu deus, vindo do meio das pernas da freirinha. Foi ali que descobri, pela primeira vez, o quão intenso pode ser o desejo da carne, e o quão obcecado pode um homem ficar pelo pequeno deus que toda mulher carrega entre suas pernas.

Quão perfumada não deveria ser aquela buceta? Quão sedenta por um prazer negado?

Cresci, como urge acontecer com todas as pessoas. E passei anos sem lembrar do encanto proibido que ficava escondido embaixo daquelas roupas pretas e me era negado. Creio que ela fosse o tipo de mulher que pudesse ter me convencido na cama a acreditar em deus. Aliás, uma mulher daquelas na cama seria capaz de fazer qualquer homem acreditar em qualquer coisa, desde deuses a discos voadores, passando por todos os tipos de fantasias absurdas que costumam a assolar a humanidade.

Foi então que Maria me chutou e, depois de um tempo, lembrei-me da doce freirinha de minhas fantasias sexuais pré-adolescentes. Resolvi ir atrás, redescobri-la.

Fui até o colégio onde estudara (um misto de prisão e tortura infindável) e, subornando uma secretária velha, consegui descobrir o paradeiro da freirinha. Não foi difícil, uma vez que o colégio, como qualquer coisa da igreja, esmerava-se em explorar ao máximo seus funcionários, dando-lhes salário irrisório. Lembro-me de, na saída, ter vomitado na escada, não sei se por nojo de todos aqueles sentimentos de ódio que aquelas paredes me reacendiam, ou como uma última vingança contra aquele presídio onde eu um dia estivera.

Ela estava numa paróquia no interior da ilha, uma igrejinha perto do mar. E eu não entrava numa igreja desde que virara ateu, nem ia a uma praia desde que aprendera a ter senso do ridículo. Mas aquela era a chance de ouro, ia comer a freirinha dos meus sonhos.

Peguei um ônibus no centro, que me deixou no local certo depois de uma hora pulando e sacolejando pela estrada esburacada. Século vinte um, terceiro mundo, mas o local estava tão atrasado no tempo que podia muito bem ser uma vila da idade média.

Em frente à igreja, uma praça. Em frente à praça, um boteco. Ao menos isso já havia chegado lá. Entrei e tomei uma cerveja, para criar coragem e refletir um pouco sobre como abordar a freirinha sem assustá-la. Ela tinha uns dez anos a mais do que eu, e eu não a via há quase vinte anos, o que quer dizer que não estaria, provavelmente, tão perfeita quanto era.

Tomei três cervejas, quando por fim atravessei decidido a praça e entrei na igreja. Vazia, apenas umas poucas beatas rezavam de joelhos e mais ninguém. Sentei num banco, decidido a esperá-la. Deitei. Dormi.

Acordei já era noite. As luzes estavam ofuscantemente acesas e a igreja começava a lotar. Muita gente. Jamais imaginaria que tanta gente pudesse morar naquele canto tão desabitado. Sentei-me no banco, tentando conter o enjôo e o vômito estimulados, não só pela ressaca, mas também por todo aquele clima geral de aleluia. Estavam jogando suas vidas fora, desperdiçando o seu tempo, todos eles, e eu tinha ímpetos de gritar e dizer-lhes isso mas me continha, sabia que não me ouviriam mesmo.

Para surpresa minha, eu não era o único a estar todo trajado de preto. Mas ao contrário de mim, eles não estavam assim vestidos ao acaso, ou porque fosse a única roupa que tinham. Lá na frente, no altar, um caixão repousava. Virei pro lado e tentei em vão me comunicar com a senhora que sentava, enojada, ao meu lado, mas a garganta seca da ressaca, e a língua áspera travaram, sem emitir som algum. Pigarreei, até que limpasse a garganta e sentisse um pouco de saliva escorrer sobre a língua. Ajeitei a camisa no corpo, virei pro lado e perguntei à senhora, de quem era o corpo que velavam, já sabendo porém a resposta. Ela se virou, com visível má vontade e respondeu:

--- É da irmã Rosenilda. Ela morreu hoje pela manhã depois que a barca que ela pegava para vir de casa até a igreja virou no canal. As roupas pesadas se incharam de água e a puxaram para o fundo. Ainda levaram ela pro hospital, mas só o que voltou foi o corpo dela.

Agradeci gentilmente a mulher, levantei cambaleante, e saí lentamente da igreja. Tarde demais. Bosta, mais uma vez, como tudo na maldita existência que me acostumara a chamar de vida, eu chegara tarde demais. Na saída ainda me lembro de ter vomitado na escada, mas dessa vez acho que foi por causa da bebida mesmo, e não por ter algum significado maior. O único significado era o aviso de meu fígado, me alertando que nem sequer cerveja ele suportava mais. Era simplesmente meu fígado avisando que o fim da linha chegava.

Ajeitei meu óculos na cara, sorri às pessoas que me observam com repugnância e fui para o ponto aguardar o ônibus. Tanto esforço para nada, simplesmente isso. Uma foda que me aguardara por vinte anos, e eu simplesmente chegara doze horas tarde demais. Soquei o muro de concreto que ficava junto ao ponto de ônibus, e me lembro que naquela hora, cheguei realmente a querer acreditar que havia um deus, um filho da puta sentando lá em cima e rindo aos berros com a grande sacanagem que me fizera, com a grande piada que sempre fora minha vida. Naquele momento cheguei a querer fervorosamente que existisse um deus, pois sabia que só assim poderia me vingar do grande impostor que estava por trás daquela merda toda, poderia planejar dia e noite uma morte que me levasse direto pro inferno, onde me encarregaria pessoalmente de liderar o ataque ao todo poderoso boçal.

Infelizmente o inferno não havia, nem céu, nem deuses, nem anjos ou qualquer algo mais. A chuva começou a cair sobre mim para terminar a noite, relembrando assim que só o que havia era eu, o mundo, o frio e a chuva. Além disso, somente a escuridão da noite me aguardava. E um ônibus que parecia nunca chegar.


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