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Autofagia:

um relato em seis capítulos

1

Tudo sem sentido. Loucura insana, pressa insano, corpo insano. Mente louca num corpo moribundo, doente, jogado às traças e ao lixo, imerso no álcoolool. Vomitei em mim mesmo e depois descobri. Vomitem mim mesmo. Vomitei meu próprio eu sobre um monte de trapos e imundície que jazia no chão, inerte.

2

Começamos a paquerar. Aproximamos... um beijo aqui, um carinho ali, uns beliscões de raiva, mordida de amor. Começamos então a namorar. Beijos loucos e maravilhosos, tudo era intenso, o sexo, insano. Haviam também tapas dos mais violentos, frutos do ódio. Mas os tapas, ah, esses tapas eram doces do mais puro mel.

3

Você é a pessoa mais importante do mundo pra mim. É meu pensar é meu vestir, é quem tudo mais influenciou em minha vida. Após dizer isso, jurou-me ela amor eterno. Com ódio mandei-lhe embora explicando que nunca, nunca poderíamos nos ver de novo e que dela eu nada queria. Ahh... como eu amava aquela mulher.

4

Não comia nada, artista da fome. Buscava ficar o tempo maior sem comer. Mais, mais, cada vez mais definhava meu corpo, enrugavam as expressões e eu sentia a dor e o desconforto físico proporcionado pelo corpo doente. O fígado, o estômago, o pulmão, eram os piores, mas todos os órgãos sofriam a ação maléfica do habitante daquele corpo. Corroía minha pele por dentro com a bílis e ácidos estomacais, corroía minha pele por fora com doenças, dermatites e outras lepras mais. Diziam todos: feio, sujo e malvado. Quem dera eu fosse um pouco italiano.

5

Comi algo outro dia. Auto-preservação, ou sei lá o quê, mas precisava por algo pra dentro pra estancar aquela dor que me corroía. Desgrudei do asfalto e abri um rasgo nos pelos. Tinha recém sido atropelado. O sangue escorria pelo fucinho, mas o rosto disforme, esmagado, me impedia de saber se era gato ou cachorro, ou talvez eu já nem mais soubesse a distinção entre os dois. Um pouco do cérebro, ou algo rosado que eu achei que fosse, começou a escorrer por uma das órbitas de onde um olho tinha saltado. Colei a boca ali e comecei a chupar a gosma, sentado no asfalto, sendo odiado e insultado com repugnância pelas dezenas de motoristas que estavam ali, trancados, querendo ir embora pra casa. Quem dera eu quisesse também. Me levaram.

6

Disseram que eu posso tentar me matar, por isso me amarraram neste pano e me prenderam nessa mesa. Lobotomia acalma os pacientes. O que eles não sabem é que pra se matar basta querer. Disseram que eu ia ficar bom. Quero tudo, menos isso. Comecei a desejar. Soltei o ar dos pulmões e fui aos poucos diminuindo minha respiração. Senti a pressão cair, a cabeça começar a doer e, aos poucos, tonteei. Antes que desmaiasse soltei todo o ar e travei a respiração. O coração disparou e a cabeça começou a doer como nunca antes. O pulmão doía como um balão de gás pegando fogo. Eu resistia. Quando vi que tava quase desmaiando puxei com força o ar e contraí os músculos abdominais e todos os músculos do corpo. O ar entrou rasgando, como areia. Senti um estalo no meio do peito e doeu muito. A garganta doía pelo estrago do ar. Na cabeça algo lá parecia começar a transbordar... uma veia talvez. O coração que pulsava a mais de trezentos por minuto por fim bombeou em falso, uma ou duas vezes, e parou. Senti a dor na cabeça, o corpo todo formigando, gosto de amargo na boca, a visão toda preta e tudo então fez sentido.


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