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Dor constante

Como o recrudescimento de um solo, também o amor endurece e machuca. Crava seus espinhos na forma mais dolorida possível. Há uma nova relação, e é de vingança, desespero.

Eu fora chutado, e Janaína era a parte chutante dessa história. Não que eu não tivesse sido antes chutado por mulher, estava tão acostumado!, mas dessa vez o chute doía mais,e se prolongava, se repetia, se sucedia milhares de vezes na minha cabeça. Eu amava ainda. Amava demais, mas, o que era pior, encontrava-a em todo lugar que ia, de forma que não conseguia tirá-la da minha cabeça.

Ela, sempre muito educada, vinha, me cumprimentava e puxava conversa, deixando sempre claro que isso não era sinal de que ela quisesse algo comigo de novo. Mas era o suficiente para que minha noite se estragasse, meu humor fugisse, e me impossibilitasse de arranjar qualquer nova mulher na festa. Minha amante estava viajando, pra piorar a situação, e só voltava daqui a cinco meses. Isso significava cinco meses sem mulher, se é que eu continuaria a ser amante dela quando ela voltasse.

Nunca consegui viver sem mulher, confesso-o. Mulher sempre foi prioridade e, enquanto eu obtinha sucesso em não ver Janaína, duas situações se alternavam na minha cabeça: ou decidia ficar muito tempo sem mulher novamente, ou a me apaixonar pela primeira que aparecesse. E apaixonava, embora, infelizmente, na hora do vamos ver, aquela mulher mais linda e deliciosa da festa que eu tanto cobiçara, me revelasse ser casada.

As portas se fechavam. Se fechavam cada vez mais para mim e meus sonhos. O tempo estava esgotando. Achei outra mulher. Não via há tempos, e logo saquei pelo jeito dela que ela estava a fim de mim. Infelizmente, meia hora depois ela vai embora com meu telefone. Também viajaria, para voltar só daqui a três meses. Droga! Droga! Droga! Meu único consolo era de que o tempo de espera tinha ao menos diminuído, mas isso não aliviava nada. Eu precisava de mulher agora.

Puteiro? Não... Farmácia vinte e quatro horas? Não, só barbado trabalhando lá... Supermercado vinte e quatro horas, talvez? É, tinha umas gatinhas trabalhando lá, mas o excesso de tempo casado me desensinara a como me aproximar de uma mulher.

Precisava beber, sair, e o bar do Franke era o melhor lugar que podia arranjar. Provavelmente ficaria lá, sem mulher, a noite inteira, voltando mais machucado ainda do que antes. Janaína fizera isso comigo. Eu voltara a beber, não por ela ter me chutado, mas sim, quando começáramos nosso curto e masoquista flerte. Me fizera a beber, pois desde o início ela soubera fazer eu me sentir mais mal do que ninguém. Ela, mais do que ninguém, sabia despertar de mim as hostes do desespero que sempre dormiram sufocadas dentro de mim. Ela, com sua simples existência, conseguiu me fazer descobrir a infelicidade em sua mais bela e sedutora forma.

Fui até o bar. Muita gente, muito calor, muito turista, muita mulher. Uns conhecidos me abanaram de uma mesa: estava cheia de cornos, que se lamentavam. Talvez até seria mais fácil se eu tivesse me tornado corno, simplesmente a odiaria ou então mataria alguém pelas ruas e pronto, não seria tudo assim tão difícil. É fácil deixar de amar quando se odeia. Eu precisava perder a bondade, precisa perder novamente a crença na virtude humana, para recuperá-la somente quando achasse novamente uma vida para mim. Tão difícil quanto esquecer a virtude é, depois relembrá-la. Por isso procurava um outro caminho, que unisse virtude e aceitação, sem me remeter novamente ao desejo da carne e paixão abaladora.

Dispensei os cornos e sentei numa mesa com mulheres. Começamos a conversar. Conheci um menina incrível: linda, inteligente, sincera, doce, atraente, com todos os quesitos que eu não acreditava mais que pudesse encontrar. Falamos sobre profissões, carreiras, amores, vidas, paixões. A perfeição sorria novamente pra mim. Já com meu braço sobre seus ombros e os rostos próximos perguntei-lhe o nome, qu até então nem tivera curiosidade de saber, pois quando se encontra alguém assim simplesmente dispensa-se os nomes.

Ela sorriu pra mim, secando a gota de cerveja que ficara no canto de sua boca, e disse, quase sussurrante, com seus lábios roçando meus ouvidos: Janaína!

Não! Não! Não! Entrei em pânico, levantando-me de sobressalto e saindo correndo, derrubando mesas e cadeiras gritando: Não! Não! Não! Foi estupidez, confesso, mas nessas horas o desespero fala muito mais alto que a razão, e o medo só não é maior que a angústia.

Nunca mais a revi, ela, a mulher do bar perfeita mas de nome maldito. Me arrependeria, talvez, mas sei que não tive absolutamente nenhuma alternativa de reação. Toda surpresa dói. Todo beijo sangra. Todo suspiro magoa.

Comprei uma ovelha, um lindo animal a quem passei a chamar de Béti, e hoje vivemos felizes para sempre. Ela me aquece de noite e, em troca, eu mantenho um belo guarda roupas de lingeries para Béti. E nunca mais saí de casa.


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