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Barulhos no sótão

Barulhos no sótão.

Wers estava tranqüilo, dormindo sossegado, quando "o barulho" o acordou. Não, não eram barulhos apenas, não simples barulhos que se ouvem a noite quanto o vazio permite que os objetos estalem e conversem entre si. Não, não eram esses barulhos e Wers sabia muito bem. O que ele ouvia agora eram passos.

Começou a tremer suar frio. Não podia ser. Ele já tinha vinte anos, não era mais um garoto. Não era permitido a ele ter medo de fantasmas, no entanto ali eles estavam. Por que? Por que depois de tanto tempo eles resolveram voltar para assombra-lo.

Lembrou-se da infância. E, junto, a lembrança mil monstros, medos e outros pesadelos vieram assustá-lo. Ele se encolheu e começou a choramingar. Um estalo mais forte ressoa, vindo do teto. Na sala uma cadeira pareceu arrastar, ou seria apenas impressão sua. Olhou para a porta de seu quarto. Na penumbra da luz apagada, só o que ele via era uma fresta. Eles estavam lá. Meu deus eles estavam lá, ele tinha certeza. Não podia vê-los, mais podia senti-los, rastejando pelo chão, esgueirados babando atrás da porta, querendo pegá-lo.

Não, ele não era mais criança. Não era justo, vinte anos, vinte aos ele tinha. Por que então esses malditos monstros voltaram para atormentá-lo? "Vão embora" ele balbuciou e o medo aumentou. Ele falara, meu deus, ele falara, agora os monstros poderiam saltar sobre ele e devorá-lo a qualquer momento. Eles sabiam agora exatamente onde ele estava.

Por que não atacavam então? O que esperavam? Tapou a cabeça com o cobertor para ficar assim mais protegido do ataque. Começou a sentir os monstros todos ao seu redor, dentes afiados, cabeças disformes, babando excessivamente, esperando pegá-lo. Por que não atacavam? Wers soube que não teria mais coragem de destapar a cabeça, a simples visão daquelas criaturas horrendas lhe faria enlouquecer.

Lembrou-se da infância de novo. E lembrou-se que, quando pequeno, ele sabia, sem nem saber como, quais eram as regras para os monstros atacá-lo. Sim, ele sabia. Os monstros só podiam atacá-lo se ele saísse da cama. No chão rastejavam todos os monstros menorzinhos que, não impossibilidade de pegá-lo, contentavam-se em roer o pé da cama. Encolhido embaixo do cobertor ele podia sentir todos eles. Ouvia os barulhos que vinham do teto, sentia os arranhões na porta dos monstros maiores, que não puderam entrar porque a fresta era muito estreita, e sentia os disformes babando ao seu redor curvados sobre ele.

Sua pedra. Sua pedra da sorte iria protegê-lo. Sem destapar a cabeça esticou a mão para fora da coberta, implorando a deus para que não esbarrasse em nenhum monstro e que eles não devorassem sua mão. Pegou a pedra e imediatamente puxou-a para junto a si dentro do cobertor.

Aquela pedra. Meu deus como ele invejava aquela pedra. No momento a pedra o protegia, mas um dia ele iria morrer e a pedra continuaria, intacta como sempre foi. Abraçou forte a pedra e pôs-se a invejá-la e a invejar sua história. Espectadora passiva do mundo, quantos séculos e milhares de anos já não tinha presenciado ela, desde o início de sua formação, no leito fértil e virgem da natureza, até o presente dia. E quantos séculos não continuaria ainda ela existindo enquanto os pobres humanos mortais se revezavam qual formigas no posto de seres ainda vivos. E quem sabe um dia o mundo explodiria, e tudo seria destruído que nem no final de um dos "planeta dos macacos", e aquela, aquela pedra que agora o aquecia e protegia dos monstros, mesmo assim resistiria e, recusando-se a ser destruída, seria arremessada pela explosão para os confins da galáxia, conhecendo milhares de mundos e raças alienígenas, presenciando todas as maravilhas tecnológicas que o homem sempre sonhou sem nunca alcançar.

Já quase dormia Wers de novo, relaxado e protegido, quando sentiu de leve um rosgaçar de tecidos no seu cobertor. Pânico! Pânico completo e total. Wers encolheu-se mais ainda, o máximo que pôde, e começou a tremer e suar frio. Eles estavam puxando sua coberta, só podia ser isso, e, no momento que ele dormisse, eles iriam por fim destapá-lo e devorá-lo. No teto os barulhos aumentavam, e em todo lugar ele podia sentir a agitação.

Ele tinha que enfrentar, ele tinha que enfrentar. Ele já tinha vinte anos e já era um homem. Ele tinha que enfrentar. Apertou a pedra na mão e, fechando os olhos, jogou para os lados a coberta, pulou da cama, com a adrenalina no nível máximo que pode alguém suportar, e correu para a janela, quase chorando, torcendo para não tropeçar em monstro nenhum. Se ele caísse, com certeza, os monstros iriam devorá-lo! Escancarou a janela sentindo na cara a brisa gelada do dia que começava a amanhecer. Abraçou a pedra e pulou. Sem abrir os olhos, nem com coragem de olhar pra trás uma última vez antes de pular.

À noite, na tevê, uma nota saiu no noticiário: "Matou-se essa madrugada um jovem de apenas vinte anos pulando da janela de seu quarto no décimo andar de um prédio. Parentes e amigos dizem não saber o que poderia ter causado tal atitude. Wers era um jovem saudável e estudioso que não costumava a apresentar nenhum tipo de problema. A namorada entrou em choque ao saber da notícia e os pais do rapaz estão ainda sedados sob ordens médicas. Os vizinhos de cima, que estavam acordados na hora do suicídio, presenciaram toda a cena mas nada puderam fazer para evitar. Segundo o depoimento ele apenas voou janela afora, de repente, sem nada dizer, parecendo apenas muito assustado. Também os vizinhos não souberam dizer o que poderia ter causado tal sinistro".


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