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A surpresa de Babete

O ópio da monotonia se escorria em ...

--- Chupa minha perna!

--- O quê?

--- Chupa-minha-perna!

--- Espera um pouco...

Começara novamente. Era só eu ensaiar um devaneio e lá vinha Sarah novamente com essa história da perna dela. Estávamos na praia. Era uma casinha pequena e desconfortável, excessivamente quente de dia e fria demais de noite. Entrava vento. Assim que chegamos ela fora picada na coxa por uma rateira, e desde então começou com a paranóia. Passou a noite inteira lá, vidrada, com os olhos colados no relógio e atenta a possíveis sintomas. Já disse que vai morrer e que me ama mais de cem vezes. Estamos esperando seis da manhã pra ligar pro único médico dessa droga de lugar. Ela acha que está envenenada, e por causa disso eu, justo eu, eu que queria ficar em casa invés de vir pra esse buraco, tenha que me levantar a cada meia hora e chupar o buraco onde a cobra picou.

Uma bela mordida. Já expliquei que rateira não tem veneno, mas a discussão a deixa em pânico, dizendo que vai morrer e eu nem ligo. Convenci ela a se acalmar me comprometendo a sugar o "veneno mortal". E ela está ali. A noite inteira grudada no relógio, marcando os minutos que faltam para completar cada meia hora, para de novo me chamar e assim vai...

Conheci Sarah num bar, há dez anos atrás. Minha centésima trigésima terceira tentativa de mulher havia me chutado e era uma daquelas noites em que as paredes do apartamento começam a encolher.

Tirei a casca da ferida e comecei a chupar a coxa. Nossa ela ainda estava um mulherão. O sangue era doce, e com o nervosismo o cheiro que vinha da calcinha dela ficava mais forte.

Mas como eu dizia, conheci Sarah num bar.

Era inverno e chovia. Sentei no balcão e comecei a beber. Franke, o balconista, ia trazendo outra garrafa a medida em que a que eu estava bebendo se esvaziava. Uma loira mais linda que floresta em chamas veio e sentou no meu lado.

--- Me paga uma cerveja.

--- Hoje não, meu bem.

Ela ficou ali parada por uns tempos. Tentou puxar papo. Eu precisava de mulher. Eu respondia em monossílabos. Eu precisava de mulher e tinha ali ao meu lado a mulher mais linda que poria um dia seus pés naquele bar. Mas eu sabia de algo que ela não sabia que eu sabia. Eu sabia quem ela era.

Depois de um tempo ela se cansou e caiu fora. Sentou na outra ponta do balcão ao lado de um jovenzinho de dezesseis. Eu tive pena do rapaz. Eu podia me ver ali, no lugar dele, jovem, sem mulher, sem dinheiro, com milhares de hormônios pelo corpo e ainda sem saber direito o que fazer com eles.

Ela conversou um pouco com ele. Ele sorriu e disse algo. Ela riu. Ele se ajeitou sentado um pouco mais perto dela. Ela se inclinou mais de forma que o decote ficasse ainda mais generoso do que já era. Aí ela disse algo. Ele respondeu. Ela disse outra coisa e jogou a cabeça pra trás. Ele aproveitou a deixa e chegou o corpo pra frente. À essa altura ele devia estar tendo um verdadeira vista panorâmica de dentro do vestido dela. Ela baixou a cabeça e fingiu surpresa com a proximidade do rosto dele. Ele tentou beijá-la mas ela encostou habilmente o rosto no ombro dele e ficou se esfregando. Ficaram assim pelo menos mais meia hora e eu sabia como aquilo acabar. Ela era Babete.

Babete era uma mulher fora do comum. Fora do comum em vários sentidos. Nascera predestinada a ter os seios mais belos que uma mulher já teve, os olhos mais perfeitos, a expressão mais suave e penetrante, a bunda e buceta mais macios que já sentaram numa cadeira. Seria perfeita, se não fosse por um defeito: Babete tinha um pau.

Sim. Uns diziam que era somente clitóris avantajado ou sei lá o quê, mas não me convencia. Segundo os relatos, cerca de dois centímetros acima da buceta, nascia uma trolha que, quando pronta pra usa, chegava aos dez centímetros. Clitóris nenhum poderia ser assim tão avantajado.

Não sei porque os médicos, ao fazerem o parte, não cortaram aquela parte monstruosa. Não sei porque os pais não cortaram. Não sei porque Babete nunca cortou, mas os fato é que estava lá. Mas isso não era o pior. Depois, com o tempo, revoltada por ser tão rejeitada pelos homens, aquela sua parte passou a ser motivo de orgulho pessoal, e mantê-la era uma questão de honra, de auto-afirmação. Pior, à medida em que a raiva de Babete contra os homens foi crescendo, cresceu também seu desejo de vingaça.

Assim, eu sabia como aquilo ia terminar. Ela e o rapaz iam se atracar por meia hora. Depois iriam no carro dela prum canto bem e remoto e, principalmente, escuro. Deixaria o rapaz se esbaldar nela até ficar exausto e depois diria:

--- Meu bem, se vira de costas que eu tenho uma surpresa!

--- O quê?

--- Não, não. Não pode olhar, vira de costas que você vai saber.

Bem, aí o resto vocês podem imaginar. O jovenzinho se virava de costas no carro, ela fazia ele ficar de quatro e metia. Entrava rasgando o rapazinho, que quando descobria qual era a surpresa que Babete havia lhe preparado, aí já era tarde demais. Aí já fora enrabado.

É claro. Ninguém nunca tentou processá-la por estupro ou qualquer outra modalidade legal de sexo não consentido. Era embaraçante demais. Apenas quando o rapaz dava de beber chorando sozinho num canto do bar, meses depois, é que o pessoal o pressionava e contava a história toda. Depois não se falava mais no assunto. O pessoal mais experto se prevenia e os novatos nunca chegavam a ficar sabendo. Futuras vítimas de Babete, a mulher pauzuda.

Terminei de chupar a ferida de Sarah e fui subindo pela coxa. Já estava quase amanhecendo e nem tínhamos trepado desde que havíamos chegado ali. Eu estava ali para duas coisas, escrever e trepar. Mas quem diabos consegues escrever um conto tendo que parar a cada meia hora pra chupar sangue da coxa da mulher? Umazinha não seria nada mal, pra não perder a noite. Trepamos. Quando íamos começar a segunda deu seis horas e ela quis ligar pro médico. Tudo bem, nada mal. Se eu não tivesse que ir ao médico com ela poderia ficar escrevendo. Mas ela nunca me perdoaria se a deixasse ir sozinha.

Comecei a me vestir com a cabeça girando, mil perguntas me intrigando. O que afinal havia acontecido com Babete? O que acontecia com os rapazes depois que ela os deixava?

Não sei. Nada disso sei ao certo. A última coisa que ouvi falar foi que um dia ela havia seduzido um distinto senhor de meia idade que teria adorado a surpresa dela. Levou ela pra Amsterdã, onde ganhou rios de dinheiro fazendo shows para um público seleto.

Quanto a mim, fiquei tão horrorizado com a cena de Babete seduzindo o rapazinho, e com as conjecturas mentais dos desdobramentos daquilo, que saí correndo às cegas do bar, sem pagar e nem ver o que vinha pela frente. Na porta trombei com uma mulher que entrava, que caiu e se encharcou na cerveja que bebia. Tinha um corpo belo, belo demais pra alguém sem mulher como eu estava. E com a cerveja molhando a camisa, seus seios pareciam enormes faróis a me guiar. Era Sarah e me odiou por muito tempo por causa disso, até que um dia consegui agarrá-la.

Agora ela finalmente aquietara e dormia no banco do carro, enquanto eu dirigia pro médico. Lá ele daria provavelmente uma injeção de água para acalmá-la, fingir que é remédio, para depois eu trazê-la, dar mais umazinha, esperá-la dormir e aí, finalmente, mesmo morrendo de sono, poder escrever meu conto. Não sei sobre o que vai ser, só sei que ele vai começar com: o ópio da monotonia se escorria em...


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