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Exame final

Pau pingando, eu seguia em frente. Uma porra de corredor estreito, escuro e comprido, o pau pingando, escorrendo pus e eu nu, angustiado, esperando que isso acabe de uma vez.

Malditos exames. Já me enfiaram duas sondas pau adentro, da grossura de um palito de fósforo cada uma. Já me fizeram bater três punhetas. Já me fizeram ficar correndo como um javali selvagem numa esteira, e agora isso.

Por que? Por que???

Só podia ser alguma sacanagem que alguém me aprontara. Até dois dias atrás minha vida era normal. Eu tinha um cachorro, dois carros e três mulheres. Usava camisas limpas e calças passadas. Botas de couro com estrelas desenhadas.

Caí no chão. Comecei a ofegar, a suar. O corredor gigantesco parecia girar zobeteiramente. Eu estava tonto. Comecei a sentir dores fortes no peito, a ver pontos luminosos e por fim barulhos... ah, sim, os barulhos.

Gemidos infantis de dor pareciam vir de trás de mim, ao longe no corredor. Sentei-me no chão, olhando apavorado tentando descobrir algo. Um rugido de cão parecia se amplificar dentro daquelas paredes, de forma ensurdecedora. Eu olhava meu pobre apavorado pau com a certeza de que algum bicho me atacaria e o devoraria.

A visão começou a turvar. Estava tudo lá. Eu estava louco enfim. Depois de tantos anos, a loucura chegou. Meus olhos começaram a arder e quando enxuguei as lágrimas vi que era sangue. Sangue e pus.

Eu não queria morrer assim. Não ali. Não daquele jeito. Encontrado nu e morto no corredor de uma clínica abandonada em uma parte antiga da cidade. Ouvi vozes sussurrando e rindo. Havia alguém ali? Havia alguém observando meu sofrer e se divertindo com aquilo. Haveria alguém passando por ali, alguém que não pudesse me ver assim como eu não podia vê-los, e que transitava corriqueiramente enquanto eu morria no chão.

Senti o piso ficar macio, esponjoso e minhas mãos afundaram nele. Parecia merda. Tinha cor de merda, textura de merda, consistência de merda, mas faltava o aroma. Não que o aroma me fizesse falta, afinal, se é pra morrer na merda é melhor que seja assim, sem cheiro.

Minhas unhas transformaram-se em garras incrivelmente compridas e pedaços do meu corpo começaram a cair. Eu virava diferentes animais. Meus pés viravam sapos e saiam pulando, as pernas coelhos enormes. Meu pau se transformava numa enguia elétrica quando tentei segurá-lo. Minhas unhas-garras pareciam lâminas afiadas e partiram a enguia-pau em vários pedaços, espalhando uma bolsa de pus e sangue no chão. Eu sentia a ânsia de vômito agora, que em breve explodia em jatos, jorros líquidos de matéria podre.

Senti minha cabeça sendo triturada como se fosse devorada por um gigantesco cão. Senti as mandíbulas avançaram com facilidade seu caminho pelo meu crânio, rosnando e destruindo-o, enquanto uma criança ria com alegria solta e leveza ingênua.

Fui encontrado morto no corredor da clínica enfim, quinze minutos antes da consulta que iria me salvar. Não conseguiram concluir qual fora a causa mortis. No atestado de óbito constou: Ancreonte Fonjic, 30 anos, morreu de autofobia.


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