Marginália

GENEROSIDADE

Quando estive agora, ultimamente, no interior de São Paulo, confins desse Estado, próximo a Goiás e a Mato-Grosso, tive muita coisa a observar e muita coisa a meditar.

Lá, em Rio Preto, é ponta de trilhos e para lá vão ter toda a espécie de aventureiros, no bom ou mau sentido.

Há os "grileiros" fabricantes de títulos falsos de propriedades de terras; há os advogados; mas há também os que querem horizontes novos para a sua atividade e para o seu trabalho.

É justo que essa gente se mova para o interior do Brasil. Eu lá senti muito que já estivesse desfibrado, intoxicado de Rio de Janeiro, para não me deixar ficar por aquelas bandas, "cavando" e espalhando a graça e a harmonia da Guanabara que estão na minha alma.

Tive lá um amigo, o Francisco de Sales, que é um portento de energia e honestidade. É um abridor de estradas. Ele as abre pelo deserto e faz por elas trafegar automóveis, nos quais andei graças à sua generosidade. Ele as traça por gosto e prazer, e tive um grande desgosto em não saber mais nada de topografia para auxiliá-lo.

Se ainda tivesse energia para recordar esse estudo elementar, ficaria lá para ajudá-lo no seu mister, mesmo com um simples nível de pedreiro e uma trena.

Muitas figuras como essa lá conheci de energia e de combate, no bom sentido.

Feriu-me, porém, muito a de um médico, formado na Suíça, onde ganhou um ar severo de alemão, mas que tem o nome portuguesíssimo de Barros. O seu primeiro é Cenobelino; e, conquanto esteja iniciando a carreira, é de uma generosidade fidalga.

Conto-lhes o caso.

O Dr. Cenobelino foi chamado para ver uma criança que tinha levado um coice de um cavalo, na cabeça.

A criança precisava de uma operação difícil, creio que de trepano. Era cara; a família do pequeno ou da pequena não a podia pagar. Ele se prontificou a fazê-la gratuitamente.

A criança se salvou e não podia ver bilhete de loteria que não pedisse ao pai que o comprasse.

- Para quê?

- Para pagar ao doutor que me salvou.

Certo dia, o pai satisfez o pedido do filho e tirou a sorte. Escusado é dizer que recompensou generosamente o médico do filho.

Careta, 25-6-1921.

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